domingo, 20 de abril de 2008

Independência ou... Independência

Se há alguma unanimidade entre os que se dizem – ou se acham – modernos no Brasil, sem dúvida que é a reivindicação da independência do Banco Central. Neoliberais, jornalistas especializados em economia, empresários, políticos de centro a direita, todos clamam as vantagens e a conveniência de um banco central independente (ou autônomo, dependendo do gosto “vernacular” do freguês). Por independente, entenda-se, independente do(s) governo(s): a política monetária, dizem eles, deve estar sempre livre das vontades e dos humores dos governantes de plantão.

A medida da última quarta-feira, mediante a qual o Banco Central, por decisão do Conselho de Política Monetária, resolveu aumentar a taxa de juros básica da economia em meio ponto percentual, comprova que o Brasil tem, com efeito, um BC para lá de independente.

Ouviram-se, nos dias que antecederam a reunião do COPOM, declarações do Presidente da República, dos Ministros de Estado, de políticos da base aliada e de militantes do principal partido de situação condenando um possível aumento da SELIC. A despeito disso, os conselheiros majoraram a taxa num valor que foi considerado alto até para quem dava como favas contadas o aumento dos juros, numa clara demonstração – ou mais, reiteração – de independência.

Trata-se de uma situação inesperada para os comentaristas de economia: como associar o arrocho monetário à política governamental quando o próprio presidente Lula usa das suas famosas expressões incontinentes para criticar a medida? E como exigir um Banco Central independente sabendo que a instituição presidida pelo tucano Henrique Meirelles faz pouquíssimo caso do clamor em prol de uma política de juros menos severa e aumenta a taxa básica em um nível acima do que os próprios conservadores já acharam exagerada? Fica claro que o discurso único daqueles comentaristas é um mero exercício de retórica.

Mas e o aumento de juros, é culpa dos riscos de inflação? Não. Talvez culpa da forma como a imprensa divulga os indicadores. É bom lembrar que o IPCA não se descolou da meta de inflação. Em verdade, os mais recentes dados dão conta de que, nos últimos 12 meses, o resultado apurado superou em coisa de 0,15 ponto percentual o chamado “centro da meta”, que é de 4,5% ao ano. Noutras palavras, aparentemente a inflação não está fora de controle e está longe de constituir uma grande preocupação no momento. Mas seja como for, Meirelles e sua trupe deram de bandeja manchetes catastróficas para a imprensa: ao menos o Estadão e O Globo cinicamente estamparam nas respectivas primeiras páginas que o “risco de inflação” levou o BC a tomar a amarga medida.

Mas a idéia de aumentar a taxa básica de juros como forma de controle inflacionário se liga a um tipo de problema mais sério da ordem capitalista no Brasil. É como se se dissesse que é necessário menos crescimento, menos gente empregada, menos consumo, enfim, menos desenvolvimento econômico, para que o país não entre em bancarrota, engolido pelo dragão da inflação. Já faz algum tempo que tais idéias vigoram no Brasil. O próprio “sucesso” do Plano Real parece ter sido em virtude da desaceleração econômica, com a conseqüente quebra de empresas, recordes de desemprego, consumo de produtos de menor valor agregado etc, ou seja, num clima nada propício para aumento de preços.

Quando da “parada técnica” da queda dos juros no Brasil, em outubro de 2007, escrevemos um texto para o blog Veritas, que parece vir ao encontro do tema que ora tratamos. Leia-o abaixo:

27.10.07
JURO que não entendo
No último encontro do COPOM, optou-se por cessar a queda na taxa básica de juros, estacionando-a nos 11,25%. Enquanto não sai a ata da reunião, os especialistas identificam como principal motivo dessa parada técnica um pequeno temor de inflação, isso porque o mercado está razoavelmente aquecido, o nível de emprego aumentou um pouco e a renda do trabalhador melhorou um bocadinho, o que, “noves fora”, pode indicar um campo fértil para o aumento de preços.
É relativamente fácil compreender a preocupação do Banco Central, afinal, conforme já repetido ad nauseam por aí, a inflação é uma espécie de “imposto” pago pelos mais pobres. O que não parece estar claro é por que tanta grita pela redução dos juros, já que o resultado final de tal política vai ser a volta do “dragão” que engole o salário do trabalhador sem que ele perceba.
Sempre foi dito que, com juros menores, as empresas investiriam mais, conseqüentemente contratariam mais, as pessoas consumiriam mais, com mais vendas as empresas poderiam remunerar um pouco melhor os seus funcionários, que por causa disso consumiriam mais ainda, o que faria empresas produzirem mais, contratarem mais, pagarem mais, e isso... Em suma, o ciclo virtuoso se instalaria de forma quase natural; tão natural que justifica o simplismo da exposição deste humilde não-especialista.
Mas se as análises dos experts - que atribuem ao risco inflacionário o zelo de Meirelles e sua equipe - estiverem corretas, será lícito se chegar à conclusão de que não há muita luz no fim do túnel. Se a significativa queda na taxa de juros, que nos anos do governo Lula caiu cerca de 15 pontos percentuais, realmente tem algo a ver com a pequena melhora na economia brasileira, não seria de todo esdrúxulo concluir que o “cavalo de pau” do BC esteja sugerindo que o Brasil andaria melhor se as empresas investissem menos, contratassem menos, pois com as pessoas consumindo menos, com menos vendas, poderia haver algumas demissões, e com mais desempregados os salários de quem ainda trabalha tenderiam a cair, aí as pessoas comprariam ainda menos, as empresas demitiriam ainda mais, e conseqüentemente os preços não subiriam. Em resumo, o círculo vicioso se instalaria naturalmente, o que explica, naturalmente, a "pentelhice" repetitiva deste chatérrimo blogueiro!
Se a oposição política parece trabalhar muito com a tese do “quanto pior, melhor”, na realidade econômica, o Banco Central e seu honorável Conselho de Política Monetária apostam as fichas no “quanto melhor, pior”! Mas o mais importante de tudo é que, aparentemente, há alguma lógica nos argumentos apresentados pelos que aprovam essa maior rigidez da política monetária. Se a forma como as coisas de fato funcionam realmente justificam medidas que, em última análise, podem vir a trazer algumas dificuldades aos trabalhadores, talvez seja forçoso reconhecer que o capitalismo realmente encontra algumas barreiras intransponíveis. A crítica a tal sistema econômico vem sendo considerada ultimamente quase um crime de lesa-majestade, ou como coisa típica de românticos ou de retrógrados; Evidentemente que não se trata disso, afinal, vez ou outra, ouvem-se críticas ou apresentam-se limitações ao sistema vindas de gente que se poderia chamar de tudo, menos de seguidores de Che Guevara ou de guerrilheiros sedentos de transformações radicais. O que precisava era se abrir um debate que tentasse degringolar a crueza de uma realidade em que, dentre outras contradições, os trabalhadores tenham que, às vezes, amargar um desemprego ou serem obrigados a deixar de consumir e realizar os seus sonhos para não correr o risco de, empregados e felizes, terem que pagar à tarde um preço mais alto do que aquele que pagaram pela manhã.
Será que há alguém que queira discutir isso desapaixonadamente?

criado por iendiS
15:19:13

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