sábado, 17 de maio de 2008

Marina, os "ambientalistas" e os "desenvolvimentistas"

Ouviram-se diversos lamentos pela saída de Marina Silva da liderança do Ministério do Meio Ambiente. Surpreendentemente muitas das lamentações vieram de gente ligada à oposição e parte do tom lamentoso foi ouvido também na imprensa brasileira. É algo estranho, pois a ex-ministra sempre foi alvo de críticas de grupos que, dentre outras coisas, chegaram a acusá-la - e o seu ministério - pelo tal “crescimento econômico superior apenas ao do Haiti” que o Brasil apresentara alguns anos atrás. O então medíocre crescimento, nas palavras de um jornal paulistano, era a “vingança dos ecologistas”. Segundo o mesmo órgão, o presidente Lula somente não dispensava Marina por conta de sua grande dificuldade de demitir os amigos. Porém, após a demissão a pedido da ministra, o que se viu foi um desfile de elogios e um clima de solidariedade à demissionária.

A hipocrisia da imprensa brasileira, aliada ao cinismo dos políticos, não é algo que deva nos fazer perder tempo no momento; por isso, talvez valha a pena analisar um interessante aspecto que perpassa essa questão.

Marina Silva foi, em verdade, o pivô da briga de grupos supostamente adversários, em geral denominados ambientalistas e desenvolvimentistas. De cara já aparece um sério problema sócio-político-econômico, pois tal disputa sugere que o “ambientalista” opõe-se ao desenvolvimento, ao passo que o “desenvolvimentista” não se preocupa com as questões ecológicas, o que evidentemente está longe de uma situação ideal, afinal o desenvolvimento econômico deveria estar associado à preservação ambiental. E o pior de tudo é que talvez as premissas dessa dicotomia sejam verdadeiras, o que torna a realidade que nos cerca mais e mais sombria.

Com efeito, como já há alguns anos alertou-me o geógrafo Douglas Santos, o “tema ecologia só entrou em cena quando ficou claro que o capital se reproduzia num ritmo muito mais alucinante do que a capacidade da natureza”. Noutras palavras, a dilapidação do meio ambiente, que em última análise pode acabar com a vida na Terra ou ao menos degradar significativamente sua qualidade, traria no meio-tempo problemas para a lógica da acumulação de capital, dependente em algum grau da transformação da natureza, e isso, segundo o professor Douglas, é que teria emprestado o caráter de urgência ao assunto.

Os grupos ora denominados desenvolvimentistas são aqueles que reclamam, por exemplo, das dificuldades burocráticas em se conceder licenças ambientais para vultosas obras de infra-estrutura, são os que não escondem achar que vale a pena algum desmatamento se for em prol da produção de itens que atraiam divisas e gerem empregos, são os que acreditam que a ciência e a tecnologia darão respostas satisfatórias, num futuro próximo, aos problemas ambientais de hoje, como o aquecimento global, por exemplo.

O problema ecológico, portanto, passa pela questão do modelo de desenvolvimento econômico, pelo ritmo de crescimento, pelas questões prioritárias no que se refere à sobrevivência. Trata-se, em suma, de uma questão econômica.

Analisar o assunto do ponto de vista prático pode mexer com a boa consciência humana e trazer doses cavalares de preocupação: decerto que se é de lastimar que as pessoas diretamente envolvidas provavelmente prefeririam empregos à preservação de florestas; ou que se pense nos Estados Unidos, país que não assina o famigerado Protocolo de Kyoto porque não quer pagar o preço político de ter que repensar sua política industrial, com possível diminuição, ainda que marginal, de sua atividade econômica. Ora, é relativamente natural que as pessoas se preocupem apenas com o “hoje”, e é normal que as autoridades da maior potência econômica do planeta não queiram ser acusadas de podadoras do livre desenvolvimento de seu país. Com isso, o futuro é incerto.

Este blogueiro, adepto do estilo “zé povão”, sente uma necessidade danada de simplesmente dizer que “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”! Outros, um pouco mais refinados, vêem nessa situação um desdobramento da “crise estrutural do capitalismo”. Tal crise apresenta-se, em linhas gerais, nas situações em que parece que o sistema vai engolir-se a si mesmo, autodestruir-se, ou, também, quando se tem a impressão de que as desgraças provêm justamente da radicalização das propostas do modelo (superprodução, consumismo, concorrência predatória, ou, no nosso caso, o desastre ecológico proveniente dos “êxitos” dos investimentos produtivos).

A bem da verdade, dia desses atrevi-me, sim, caro leitor, a usar a expressão “crise estrutural do capitalismo” com um nobre professor da USP. O mestre riu-se às minhas custas. Disse que tal termo é um absurdo, sem contudo explicar por que acha isso. Também o jornalista Luciano Martins Costa, por conta de texto publicado no Observatório da Imprensa, no qual afirmava que uma discussão ecológica séria teria de obrigatoriamente passar pela rediscussão dos modelos de desenvolvimento, incluindo nisso uma crítica ao capitalismo, teve que agüentar muitos comentaristas apaixonados, os quais afirmavam – sem muita argumentação, é verdade – que a questão ambiental nada tinha que ver com capitalismo. Talvez o Luciano e eu estejamos errados. Tomara que o professor da USP e os leitores do Observatório realmente estejam com a razão; aliás, especialmente estes últimos precisavam urgentemente convencer Bush a assinar o já citado Protocolo de Kyoto!

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