sábado, 28 de junho de 2008

Honrarás teu nome

Na segunda-feira 23, a Folha estampou, na sua primeira página, chamada que noticiava possíveis complicações para um tal “compadre de Lula”. Ao contrário do que se poderia pensar, o moço tem nome: Roberto Teixeira.

Não é a primeira vez que o diário paulistano usa desse expediente para se referir a pessoas próximas ao presidente envoltas em algum tipo de, digamos, dificuldade legal. Não existiu um Silas Rondeau, mas sim um “ministro de Lula” suspeito de receber propina. Do mesmo modo nunca houve um Vavá ou Genival; para a Folha de São Paulo ele era apenas o “irmão de Lula” investigado pela Polícia Federal.

É compreensível, e até desejável, que o jornal lembre da proximidade de tais pessoas com a figura mais importante da República: não há negar que isso é notícia. Mas sem dúvida que os atos individuais ou de grupos (ou vai lá, as suspeitas que recaem sobre eles) são mais importantes do que as ligações que os cidadãos ou órgaos possam ter com os seus “chegados” mais importantes. Afinal, não se vê quando das elogiáveis ações da já citada Polícia Federal a Folha referir-se a uma “PF de Lula” (o que seria aceitável tendo em vista a diferença do trabalho atual da instituição em relação a de gestões anteriores), tampouco se lê em vez de Patrus Ananias, responsável pela bem-sucedida pasta de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o epíteto “ministro de Lula”. Resta claro que, para o jornal, a relação com o presidente ou a subordinação a ele só são importantes quando levam a algum tipo de constrangimento. Sem dúvida que é o que se pode chamar de perseguição.

Entretanto, caso o jornalão paulistano entenda como legítimo o método de, em algumas circunstâncias, caracterizar a pessoa não pelo nome mas pela suas possíveis ligações, deveria urgentemente generalizar a prática, coisa que aparentemente não faz. Seria assim: se a Folha viesse algum dia a dar importância para o “caso Alstom”, ou “constrangidamente” viesse a reproduzir as matérias do The Wall Street Journal sobre o assunto, poderia em vez de pelos nomes, chamar os implicados de “isso de Covas”, “aquilo de Alckmin”, eventualmente de "não-sei-o-que-lá de Serra”. Será que eles fazem, fariam ou farão isso, leitor?

E a vida continua para o “jornal dos Frias” (soa tão ridículo, não?!).

P.S.: Vejo que na data de hoje (28-06), a Folha foi ainda mais fundo na sua tática: em vez de IGP-M, trombeteia a "inflação do aluguel". Isso é que é didatismo!

Nina Simone*


Antes de qualquer coisa, uma confissão: nunca fui um grande entusiasta da cantora e pianista Nina Simone (1933-2003). Sempre senti algo de arrogante, de empolado, de um tanto forçado na sua voz. Fazia dela a imagem de cantora um tanto blasé, do tipo que tem muito pouca boa vontade para com o público. Nunca fiz muita questão de comprar seus discos, nem mesmo como item indispensável pela inegável importância histórica.
Mas tudo mudou quando vi na televisão a exibição do vídeo Live at Montreux - 1976. A má vontade e a arrogância em verdade eram minhas. Mais: era preconceito, prejulgamento. O vídeo traz uma artista carismática, desinibida, simpática com o público (se bem que em um dado momento ela dá uma bronca num espectador que aparentemente insistia em ficar de pé, atrapalhando os demais). Nina não apenas canta e toca magnificamente seu piano, mas também dança, conversa com a platéia e permite-se fazer comentários no meio das canções (faz isso inclusive durante a execução do plágio de nosso Morris Albert, a famigerada “Feelings”).
Gostei tanto que corri para reparar um erro: dirigi-me a um dos sebos de São Paulo para suprir essa pequena lacuna de minha discoteca. Por um bom preço, encontrei uma bela coletânea da tradicional série “A Arte de...”. São 24 canções com grandes momentos de jazz e pitadas de blues, soul e rhythm’n’blues. Nina dá um show interpretando diversas pérolas do cancioneiro estadunidense. E por cancioneiro dos Estados Unidos, por favor, entenda-se tanto a obra de Cole Porter, Duke Ellington e da dupla Hart-Rodgers quanto a de Chuck Berry ou a de Screamin' Jay Hawkins: há de fato, no álbum, standards como “The Laziest Gal in Town”, “Mood Indigo” e “Little Girl Blue”, como há também clássicos modernos do quilate de “Brown Eyed Handsome Man” e “I Put a Spell On You”.
Interessante como ocorrem as coisas. Por que foi necessário ver uma imagem para dissipar a má impressão de uma grande cantora? Trata-se de prova de que nem sempre somos honestos conosco mesmos no ato de fruição do trabalho de um artista. Por que agora encosto a agulha nos sulcos da faixa “Love Me or Leave Me” e gosto da voz e do piano de Nina Simone, se até pouco tempo atrás a ouvia no rádio sem grande entusiasmo? Deveria sempre ter gostado da música e da interpretação de Nina por si sós, não? Sei lá, talvez tenha admirado a sinceridade dela (seja lá o que isso queira dizer na música). A este propósito, vale o que disse o trompetista Rex Stewart, em frase reproduzida por Eric Hobsbawm no seu História social do jazz (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990): “E aquele papo sobre não sermos sinceros! Ouçam, quando uma banda entra em estúdio para uma sessão de gravação, os caras não sentam para ser sinceros. Eles tocam apenas. Só isso”. Pois é! O que vale – ou deveria valer - é a qualidade da música e do artista.

*Originalmente publicado no RateYourMusic

sábado, 21 de junho de 2008

"Qualquer um" acha que pode falar "qualquer coisa"

O blog do Azenha colocou à disposição dos leitores trecho de comentário de Lucia Hippolito na rádio CBN que, para criticar o técnico Dunga, encontrou um jeito de dizer que o presidente Lula teria feito um mal ao país, pois, por culpa dele, que nunca foi “nada” e virou presidente, “qualquer um no Brasil se achava capaz de fazer qualquer coisa”. Ela aproveitou para dizer, de quebra, que o mesmo valia para a ministra Dilma Roussef, que, segundo ela, quer “do nada” ser candidata no ainda longínquo pleito de 2010.

Então quer dizer que o presidente Lula nunca havia sido “nada”? Sindicalista em plena ditadura, deputado federal constituinte, presidente de partido político, presidente de instituto: tudo isso é “nada”? Dilma Roussef, por seu turno, já houvera passado por secretarias de governos estaduais; é ministra desde o início do governo Lula, atualmente ocupando uma segunda pasta. Ademais, pelo que me consta, ela não é candidata a absolutamente nada. E se fosse, não caberia à Lucia Hippolito decretar a impertinência de sua candidatura, sobretudo proferindo sua opinião num objeto de “concessão pública”.

A comparação das situações de Dunga e Lula, em minha opinião, não se sustenta numa análise mais aprofundada. O presidente Lula foi alçado ao seu posto pelo voto direto: após ser escolhido em convenção partidária, colocou-se à disposição do eleitor, que poderia, se quisesse, ter sufragado algum outro preferido de Lucia Hippolito. Já o caso de Dunga não foi o de escolha democrática. Provavelmente o técnico não foi bater à porta da CBF para pedir o cargo. Certamente os cartolas da entidade é que o procuraram: Dunga talvez não tenha achado que pudesse ser técnico da seleção; "acharam" isso para ele! O ex-capitão da seleção decerto não contava com o apoio popular e, ouso dizer, não assumiria o posto se dependesse de escolha por sufrágio universal. Trata-se, portanto, de situações muito diversas, não merecedoras da leitura – um tanto ingênua – da cientista política e historiadora.

Agora imagine outra situação, leitor: o técnico do escrete canarinho poderia muito bem dizer: “tem gente aí que – provavelmente – nunca jogou bola, que é comentarista de política, e acha que pode ficar falando de futebol, acha que pode palpitar a respeito de quem deve ou não deve ser técnico; será que ela acha que ‘qualquer um’ pode do ‘nada fazer qualquer coisa’, como usar uma rádio para espinafrar um técnico de seleção, por exemplo?”. Só que tem a liberdade de expressão... Senha para todo tipo de irresponsabilidade midiática.

Mas sejamos condescendentes com a Lucia. Vê-se no blog dela que ela lida com o futebol de maneira singela, como mera torcedora mesmo, com direito aos arroubos de paixão e de irracionalidade geralmente emprestados à prática. Observem que ela, não obstante sua formação científica, na hora do “vamuvê” até apela para a reza!

E por falar nisso, quanto mais eu rezo...

Dica de cinema


O Hulk está em cartaz nos cines de São Paulo. Quanta ação!

Não raro os detratores de tal tipo de filme dizem que, no cinema, a “ação” é inversamente proporcional à inteligência. Maldade! Depende da “ação”, depende do filme...

Filmes de ação caracterizam-se pela movimentação rápida, pelo clima tenso, pelos arroubos de violência, numa palavra, pela adrenalina. Os olhos de quem os está vendo mal piscam, os músculos às vezes se retesam, o coração não raro dispara.

Nada deveria impedir, entretanto, que um filme de ação possa abrir espaços para questionamentos morais, para a profundidade psicológica, para análises de contextos históricos. Sem dúvida que é perfeitamente possível a simbiose de “cérebro” e “ação” no cinema.

Não obstante possam estar catalogados noutras categorias, idiossincraticamente considero grandes filmes de ação os fenomenais Intriga Internacional (Alfred Hitchcock, 1959) e Sob o Domínio do Medo (Sam Peckinpah, 1971). O primeiro é um thriller que tem como pano de fundo os serviços de inteligência e de espionagem no contexto da guerra fria, e como isso poderia pôr de cabeça para baixo a vida de um homem comum. O segundo reserva toda a ação para o final, depois de ver construído passo a passo o clima que desembocará num ambiente explosivo que envolve violência gratuita, inveja, intolerância, vingança e injustiça numa cidade pequena e provinciana.

Mas as coisas felizmente não param por aí! Depois de muita espera, acabei finalmente vendo no TCM o clássico Círculo do Medo (J. Lee Thompson, 1961). Trata-se do suspense refilmado por Martin Scorsese nos anos 1990 que, no Brasil, ganhou o título de Cabo do Medo. No remake estrelado por Robert de Niro como o ex-presidiário que não quer dar sossego para o advogado interpretado por Nick Nolte, ficam latentes aquelas características brutas dos filmes de ação que acima enumeramos. No original do início dos anos 1960, o advogado interpretado por Gregory Peck precisa proteger a família da fúria do vingativo Robert Mitchum. Mas neste, apesar da adrenalina pura, há também discussões sobre legalidade, justiça e limites humanos, que o colocam milhões de anos-luz à frente daquela refilmagem.

Por favor, caro leitor, não pense que são necessárias justificativas "intelectualóides" para se curtir um bom filme, afinal não há nada de errado no fato de ele ser um mero passatempo. Mas, antes, pensemos na questão por um ângulo invertido: será que filmes como os três mencionados não serviriam como porta de entrada para o mundo de um cinema mais bem articulado e recheado de idéias para aqueles que em geral não têm muita paciência com os clássicos e com os trabalhos mais cerebrais da sétima arte?

Os que não querem perder tempo pensando na questão, que tomem, por favor, o presente post apenas como uma singela “dica de cinema”.

Nota Fiscal Paulista

Dia desses foi publicada no Diário de São Paulo mensagem de leitora reclamando do programa Nota Fiscal Paulista, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. A consumidora alegava que já pedira um número bastante razoável da nota, mas até o momento os créditos – sequer os lançamentos – apareciam no seu cadastro no site do órgão. A moça se mostrava desanimada com o que chamava de “enganação”.

Realmente é de se ficar indignado com o fato de a Secretaria não cumprir sua parte no acordo, não cuidando de oferecer ao menos esclarecimentos ao cidadão que se dignou a participar do programa. A publicidade e a transparência do poder público já são obrigatórias por si sós; e o compromisso moral assumido dentro das regras do próprio projeto o torna ainda mais tributário de tal medida.

Mas vamos lá! De qualquer forma, a eventual “enrolação” da Fazenda paulista não deve ser motivo para o morador do Estado deixar de exigir a nota fiscal de suas compras. Em verdade, o maior objetivo do programa é mesmo o de estimular a emissão de notas e, conseqüentemente, aumentar a arrecadação. Honestamente, não deveria nem ser necessário tal tipo de campanha. Não precisaria nem mesmo ser uma exigência do consumidor: a nota fiscal é obrigação do vendedor. Ponto.

Tomara que o programa, caso não emplaque no modelo apregoado – o que de qualquer modo seria triste, pois se trataria de mais um exemplo de descaso do governo para com o cidadão -, sirva ao menos para sedimentar o hábito de se exigir nota de toda operação de compra e venda, o que é bom para o erário, do lado público, e saudável, no campo privado, para a concorrência dentro dos moldes capitalistas.

Ao contrário do que se vê na imprensa ou se ouve da boca dos membros da classe média, é sempre positivo o incremento de arrecadação. “Deus nos livre de crises fiscais”! É o que deveria pensar o cidadão inteligente. É com o dinheiro dos impostos que o poder público realiza suas atividades. Muitos, cobertos de razão, dirão no entanto que o grande problema está na malversação do dinheiro ou na péssima qualidade dos serviços e, além disso, perguntarão o que o governo, afinal de contas, faz com tudo o que arrecada. Ora, admitamos que, apesar dos pesares, uma coisa ou outra sempre é feita: há, por exemplo, hospitais com equipamentos e com profissionais que prestam serviços à população que não pode pagar pelos particulares; tudo bem que o atendimento é demorado e as instalações ficam a desejar... Mas será que, em última análise, não é reconfortante saber que tais serviços pelo menos existem? O mesmo vale para as escolas, para a polícia, para os departamentos de trânsito etc.

Em realidade, sempre que confirmados os aumentos de arrecadação, a sociedade deveria ver nisso uma arma para exigir melhoras na qualidade e ampliação dos serviços prestados pelo Estado. No caso particular de São Paulo, aliás, é de se presumir que as pessoas devem estar muito satisfeitas com os serviços públicos, haja vista que vêm democraticamente elegendo governadores do mesmo partido há quase 15 anos.

Trata-se de uma obviedade, mas os governos, que já não trabalham muito, precisam do dinheiro dos impostos, caso contrário é aí que não fazem nada mesmo!

Seja lá como for, exija a nota fiscal sempre. Mesmo que não seja a “paulista”.

sábado, 14 de junho de 2008

Desenhos espanhóis do século XX


Na quinta-feira 12, mesmo dia da triste notícia de que ladrões levaram obras da Pinacoteca, houve o coquetel de lançamento no MASP da exposição “Desenhos espanhóis do século XX”. O autor destas maldigitadas esteve presente ao evento acompanhado da esposa.

A exposição, que estará no Museu de Arte de São Paulo até o dia 27 de julho, reúne desenhos de coleção pertencente à Fundación Mapfre, da Espanha, e deve certamente ajudar no aumento do número de visitantes ao museu, o qual, segundo informações publicadas nesta semana, obteve um crescimento de 40% após o incidente dos roubos dos quadros de Picasso e Portinari.

E por falar em Picasso, é claro que ele aparece na exposição, porém com uma única obra, do ano de 1924. Outros artistas que se fazem presentes na sala do primeiro andar do museu são, entre outros, Salvador Dalí (autor de Guerre Estetique, que ilustra este post), Juan Gris e Joan Miró. A coleção não destaca apenas artistas espanhóis, mas alguns de outras nacionalidades que, porém, tiveram importante passagem por terras espanholas, como, por exemplo, o uruguaio Joaquín Torres-Garcia, o francês Francis Picabia e o russo Serge Charchoune, dentre outros.

Como de praxe, a exposição é muito bem montada, com divisões referentes à época, escolas e tendências. Há belos textos gerais de apresentação, além de comentários específicos sobre a maioria das obras expostas. O jeito é ir com bastante tempo para poder aproveitar todo o material colocado à disposição do apreciador das artes.

De acordo com o que se lê no caderno oferecido no coquetel, a Fundación Mapfre conta com inúmeras outras obras não trazidas para essa exposição. Devemos torcer, portanto, para que essa saudável parceria com o Museu de Arte de São Paulo renda outros frutos. É muito bom ver a fundação espanhola aliada ao museu brasileiro. Quem é que não acompanhou o recente mal-estar diplomático decorrente dos maus-tratos sofridos por brasileiros em aeroportos espanhóis? Mas na quinta-feira o que se viu – e o provável sucesso da mostra o comprovará – é que a união de Brasil e Espanha, nesse caso, deu muito certo. Não é de estranhar: uma das funções da arte é exatamente a de reunir os povos e promover a paz, mesmo que eventualmente conteste, agrida, violente, subverta.

Ah, não deixe de ver!

Neste ano também se elegem vereadores

As eleições municipais já estão chegando, e, como sempre ocorre, as atenções estão todas voltadas aos candidatos a prefeito. Mas seria bom que o eleitor também ficasse atento aos que disputam vagas para vereador e, mais do que isso, refletisse sobre a maneira de como vai escolher os seus representantes nas câmaras municipais.

O Executivo, como se sabe, sempre depende do Legislativo. Por isso, em todos os níveis, parece-me bastante desejável que o eleitor, ao escolher um candidato para os assim chamados cargos majoritários, optasse por um postulante à respectiva casa legislativa que integrasse as suas forças de composição ou que simplesmente sufragasse uma das legendas que lhe dão sustentação. Sem nenhuma necessidade de imposição pela lei, a prática política deveria por si mesma instituir o voto vinculado.

Com todos os holofotes postados sobre os candidatos a prefeito, ficam quase que anuladas as discussões referentes às cadeiras nas câmaras municipais e a sua importância como instrumento de auxílio e/ou de fiscalização do executivo. Em decorrência disso, os votos acabam afluindo para candidatos folclóricos, para as velhas raposas, para pessoas do meio artístico e famosos em geral. Puxadores de voto em sua maioria, eles ainda podem trazer candidatos com votação pouco ou nada expressiva para a casa de vereança.

Não é lá muito difícil descrever uma situação que ocorre e deve continuar ocorrendo: pela escolha popular elege-se um prefeito; mas o mesmo eleitor que não somente votou naquele candidato a alcaide, mas por ele brigou, discutiu com amigos, influenciou parentes, mandou e-mails com propaganda dele e tudo mais, ajudou a eleger como vereador algum músico famoso absolutamente sem propostas, inscrito em partido não apenas sem compromissos com o eleito como também sem qualquer ligação séria com um projeto de oposição; Tal partido, em virtude do quociente eleitoral obtido graças à fama do nosso simpático músico, consegue fazer mais uma ou duas cadeiras, beneficiando candidatos com votação pífia; enquanto isso, candidatos ligados aos partidos de sustentação do prefeito eleito, ou outros de partidos adversários seriamente comprometidos com uma política de oposição, ainda que com uma quantidade expressiva de voto, ficam de fora da câmara, pois não lhes sobrou cadeira dentre as vagas conseguidas por sua agremiação; sem o número suficiente de apoiadores na câmara e sem uma oposição bem articulada, pouco resta ao nosso prefeito senão buscar conchavos, armações, compra de votos, "toma-lá-dá-cá" etc.

Estamos falando de prefeitos e vereadores, mas a história não é diferente se pensarmos em governadores e deputados estaduais ou presidente e deputados federais. A grande verdade é que falta um pouco de esclarecimento a respeito da importância da escolha dos membros do legislativo, além de alguma explicação da sistemática de composição das respectivas casas. A mídia, os sindicatos, os próprios partidos e as escolas deveriam contribuir na educação sobre essa questão. O primeiro – e talvez melhor - passo seria se falar mais a respeito do sistema de voto proporcional: o eleitor precisa saber que seu voto vai para uma espécie de fundo comum da legenda de seu candidato e que isso, em última análise, beneficia o partido a que ele pertence. Desse modo, o mais importante seria pensar antes de tudo no partido, deixando um pouco de lado a forma personalista de se encarar a política. Antes que alguém diga que é bobagem falar disso, eu perguntaria se o leitor já não ouviu alguém confessar que votou no candidato “x” porque gosta muito dele não obstante odeie o seu partido? Tendo perfeita consciência que seu sufrágio no simpático “x” ajudou a eleger os crápulas da legenda dele, será que nosso amigo teria votado nele?

O distanciamento com as disputas ao legislativo, a importância dada aos pleiteantes ao executivo, cumulados com o desconhecimento de como funcionam as câmaras, assembléias e o Congresso certamente explicam por que o eleitor, como mostram as pesquisas, geralmente esquece em quem votou passados poucos meses do pleito.

Quem puder que fale um pouco disso no local de trabalho, em casa, com aquela senhorinha que puxa conversa no metrô...

domingo, 8 de junho de 2008

Adeus a Meirelles e a Bo Diddley

Mais um pouco de século XX foi embora na semana que findou: morreram o guitarrista norte-americano Bo Diddley e o saxofonista brasileiro João Teodoro Meirelles. O primeiro foi figura fundamental para a metamorfose do blues em rock nos anos 1950, exercendo grande influência em alguns de seus contemporâneos, como Elvis Presley e Buddy Holly, por exemplo. Nos anos 1960 e 70, seu estilo sincopado e razoavelmente percussivo arrebanhou mais seguidores, dentre os quais Rolling Stones e Dr. Feelgood. Muitas de suas músicas obtiveram notáveis regravações, por ora merecendo destaque “Who Do You Love”, com os Doors, “Mona”, com os Troggs, “Before You Accuse Me”, com o Creedence, “Oh Yeah” com The Shadows of Knight, entre outras. Ellas McDaniels (seu verdadeiro nome) morreu no último dia 2. Completaria 80 anos em dezembro.

J.T. Meirelles foi um dos nomes mais importantes do assim chamado samba-jazz. O gênero foi uma espécie de desdobramento dos caminhos abertos pela bossa nova rumo a uma leitura mais moderna da música brasileira. Saxofonista e flautista fantástico, o músico passou por São Paulo como integrante da orquestra de Sylvio Mazzuca. Mas foi na sua natal Rio de Janeiro que conseguiu escrever seu nome numa página um tanto esquecida da história da música brasileira. Meirelles participou de excelentes grupos instrumentais nos anos 1960, como o espetacular Os Cobras, de Tenório Jr., Raul de Souza e Milton Banana, e também na Turma do Bom Balanço, ao lado de outros importantes nomes do samba-jazz. O músico carioca também foi o responsável pelo arranjo de diversas canções do clássico Samba Esquema Novo, de Jorge Ben, inclusive do hit internacional “Mas Que Nada”. Como líder, o artista notabilizou-se com uma famosa orquestra que levava seu nome - especializada em fazer releituras de clássicos da música brasileira de todos os tempos – e, principalmente, com os Copa 5, grupo que nos seus dois indispensáveis álbuns gravados na primeira metade dos anos 1960 contou com gente como Dom Um Romão, Eumir Deodato, Waltel Branco, Roberto Menescal etc. Meirelles e os Copa 5 voltariam à cena musical já nos anos 2000 com nova formação, novo disco e shows. Mas o melhor tinha ficado há mais de quarenta anos. Meirelles morreu no Rio aos 67 anos, no dia 03 de junho.

Quem quiser ver os dois grandes artistas em ação, clique aqui e faça uma visita ao mezzo cool mezzo funk.

sábado, 7 de junho de 2008

Às vezes é bom cumprir o que promete!

De maneira geral, os leitores parecem irritar-se um pouco com citações e referências intelectuais em textos que se pretendem simples, diretos e acessíveis – e decerto que os irritadiços não merecem reprovação por isso. Este blog não há muito já cometeu a arrogância de recorrer a Immanuel Kant para ilustrar comentários sobre a política rasteira. É de lamentar que venha a fazê-lo novamente neste post.

Na sua Fundamentação da metafísica dos costumes, na primeira seção, Kant já apresenta a importância de uma boa vontade que tenha valor em si mesma. Pode-se, segundo o filósofo, praticar uma ação por dever ou conforme o dever. Nesta, executa-se o ato de acordo com regras aceitáveis por temor a sanções ou pela esperança de se obter algum tipo de recompensa; na primeira, a ação é levada a cabo pelo que tem de correto em si mesma, conforme apontado pela razão, sem se importar com as conseqüências. Não há dúvida que as inclinações, o medo e o cálculo poderão estar por trás das mais diversas práticas, assim como podem elas ser moldadas pelas circunstâncias. Uma boa bússola para a se evitar os relativismos é a idéia de se buscar transformar o ato individual em lei universal.

Um dos exemplos utilizados pelo filho mais famoso de Königsberg é o ato de prometer algo. Pode parecer muito prudente fazer uma promessa que já se sabe que não vai cumprir, desde que isso represente a fuga, o desvio ou o retardamento de problemas latentes. De todo modo, assevera o prussiano, ao se livrar de dificuldades presentes, pode-se estar criando complicações futuras. Daí a importância de se tentar universalizar o ato: se prometer o que não vai cumprir for considerado aceitável pelas circunstâncias, toda e qualquer promessa vai evidentemente nascer sob o signo da desconfiança. É mais prudente, pois, diz Kant, nunca prometer aquilo de que não se tem o propósito de cumprir.

O “exemplo da promessa” é a senha para se sair das elucubrações kantianas e entrar no mundo tangível da política brasileira.

Tem-se discutido recentemente sobre a CSS (mais conhecida como nova CPMF). A proposta da ala governista vem encontrando dificuldades no Congresso Nacional, afinal é ano de eleição e o tema “impostos” é por demais impopular para que a idéia emplaque sem maiores problemas.

No caso do tributo da saúde, o simples cumprimento de uma promessa poderia ter evitado revezes ao atual governo. Na impossibilidade de consulta ao programa de governo do candidato Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 (frise-se, por favor, o pleito de 2002), que se recorra à memória e se procure lembrar da entrevista que o postulante ao primeiro mandato como presidente deu ao Jornal Nacional, ainda antes do primeiro turno. Naquela oportunidade, foi perguntado a Lula se ele, uma vez eleito, iria acabar com a CPMF. Num ato de louvável sinceridade política, o petista corajosamente disse que não pretendia extinguir o tributo. Porém, o então candidato afirmou que iria reduzir gradativamente a alíquota para 0,08% até o final daquele mandato, que se daria em 2006.

Como se sabe, Lula elegeu-se em 2002 e reelegeu-se em 2006. O presidente cumpriu parte da promessa feita ao lado de William Bonner e Fátima Bernardes: de fato, não propôs a extinção da CPMF; esqueceu-se, todavia, de reduzir a alíquota! A CPMF, também é sabido, foi derrubada no Congresso no final de 2007.

O moralismo kantiano, em parte, volta à cena: com efeito, teria sido menos penoso para o Governo Federal ter cumprido a promessa de diminuir paulatinamente a percentagem de cobrança sobre as operações, pois certamente a oposição não teria encontrado terreno fértil para derrubar um tributo que de modo geral sempre pareceu pouco pernicioso para a maioria da população. Não há dúvida de que a redução da alíquota era possível, haja vista a crescente arrecadação que de há muito se verifica. E tanto isso é verdade que a proposta da CSS fala em 0,1%, ou seja, quase quatro vezes menos que a extinta CPMF. Se tal montante não é desprezível agora, por que não foi apresentado dentro daquele período sugerido pelo ainda candidato Lula em 2002, evitando, assim, o inexorável desgaste que tal tipo de proposta indubitavelmente traz?

Ater-se à complexidade do pensamento de um dos maiores filósofos da História - tratando de “imperativos categóricos”, moral, razão, metafísica etc. - para tentar entender alguma faceta de práticas políticas no Brasil, talvez não seja dos melhores expedientes. Mas, analisando a questão de forma simples e objetiva, será que não há algum ensinamento que possa ser tirado de um tema como esse? Não há dúvida de que é praticamente impossível os políticos abdicarem de fazer promessas, até porque nós gostamos muito delas. Mas certamente seria bom para todos que elas fossem cumpridas quando possível.

O cumprimento da “promessa” do presidente Lula sobre a CPMF em 2002, pelo que tudo indica, era perfeitamente possível.

domingo, 1 de junho de 2008

Domingo no Parque: chuva, frio, Herbie Hancock e Macy Gray*

Tarde fria com leve garoa no Parque Villa-Lobos. Bem "paulistanamente", diga-se! Mesmo assim valia a pena ir ver, principalmente, a apresentação do lendário Herbie Hancock.

Antes da apresentação, que se iniciou com cerca de meia hora de atraso, os alto-falantes tocavam ininterruptamente o clássico Kind of Blue. Ótima pedida; mas pouco inteligente: teria bem mais a ver escolher algum disco da fase elétrica de Miles, quando ele era auxiliado, dentre outras feras, por um pianista chamado Herbie Hancock.

Hancock fez um show que cai muito bem para o clima de espaços abertos: funky, elétrico, dançante. Logo após a música de abertura, com uma cantora convidada e com os vocais do baixista de sua banda, o pianista fez uma leitura bem animada de "When Love Comes To Town", semi-hit de U2 & B.B. King. Seguiram clássicos como "Watermelon Man", na versão do imprescindível álbum Head Hunters, também deste clássico rolou "Chameleon", já dos anos 1980 a influente "Rock It" e, por fim, a indefectível "Cantaloupe Island", sendo que esta última, a bem da verdade, ressentiu-se de uma pesadíssima mão pop.

Macy Gray já havia dado uma canja durante a apresentação de Herbie Hancock, num encontro que o tecladista fez questão de enfatizar que ocorria pela primeira vez. Mas a cantora voltou para a sua apresentação solo, cerca de uma hora depois. Não há dúvida que Macy, no quesito soul contemporâneo, tem bem mais fidedignidade do que, por exemplo, uma Joss Stone ou uma Amy Winehouse. Mas as suas canções, que em estúdio possuem alguma aridez, soaram grandiloqüentes, pasteurizadas, sem... soul, digo, alma. Lá para a quarta, quinta música, mais precisamente enquanto ela cantava a balada "Sweet Baby", resolvemos sair, abdicando de pelo menos mais uma hora de apresentação.

Resumindo: Hancock se deu bem com um show de características populares; Macy, por seu turno, exagerou no pop. Para completar, no trenzão da CPTM rolava "Carmina Burana", justamente - que interessante! - daqueles eruditos "mais populares".


*Originalmente publicado no RateYourMusic.