sábado, 5 de julho de 2008

Possível lado bom da perseguição

Talvez os barões da mídia não saibam disso, mas a doentia perseguição contra o governo do presidente Lula pode até ser boa para o país às vezes – eles devem pensar o mesmo, mas não necessariamente nos termos em que pretendemos expor! Refiro-me, principalmente, à cobertura sobre o relativo arranque inflacionário que ora se verifica no Brasil (a exemplo de todo o mundo). É necessário dizer que, a bem da verdade, a mídia acerta em destacar o caso; o problema poderia estar no tom que utiliza.

“Poderia”. Em realidade, por incrível que pareça, o tom catastrófico e de certo exagero no noticiário talvez acabe contribuindo para que as pessoas fiquem mais zelosas e vigilantes quanto ao aumento de preços, além de contribuir para que elas busquem produtos alternativos, façam pesquisas, retardem uma ou outra compra, sempre na medida do possível, é claro! Não se trata, pelo menos num primeiro momento, de redução da demanda – embora isso possa naturalmente vir a ocorrer por diversos motivos -, mas de substituição de produtos ou mudança de hábitos.

Analisemos friamente a inflação brasileira. O índice oficial, o IPCA, aproxima-se da casa dos 6% ao ano. É preocupante, sem dúvida, mas, ao contrário do que alguns telejornais e as manchetes da imprensa escrita nos querem fazer acreditar, não está, pelo menos por enquanto, tão fora de controle assim. Tal indicador ainda está dentro dos limites da meta de inflação brasileira, que é um máximo de 6,5% a.a. E como o leitor certamente já sabe, em vários países que também trabalham com semelhante sistema, o resultado já extrapolou o que fora determinado por suas autoridades monetárias.

Antes que alguém diga que a imprensa apenas cumpre o seu papel de ficar atenta à tendência de aumento de preços e que, conseqüentemente, não há aí nenhum viés político na sua cobertura, gostaria de lembrar que já houve alguns rompantes inflacionários na “era do real”. No final do segundo mandato de FHC, por exemplo, o IPCA bateu nos 12,53% anual contra um limite de meta de 5,5%! Não se viu, entretanto, grande agito por parte da mídia naquela oportunidade. E olha que seria de se esperar uma comoção maior, pois, ao contrário do que se verifica atualmente, não havia naquela época uma crise internacional de preços, o que deixava a inflação brasileira de então com cara de mero desequilíbrio interno mesmo. Noutras palavras, o melancólico fim da “era FHC” é que era merecedor de uma cobertura um pouco mais politizada por parte dos nossos meios de comunicação.

Outro índice que vem assustando é o IGP-M, indexador de diversos contratos, inclusive dos de aluguel. Nos últimos 12 meses, foi apurada uma “paulada” de mais de 13%. No caso do Índice Geral de Preços ao Mercado também está havendo alguma exposição de meias-verdades por parte da mídia. Até mesmo jornalistas sérios, como Joelmir Beting, andaram dizendo bobagens sobre o temível indicador. Em comentário no BandNews, o jornalista especializado em economia afirmou que o IGP-M assusta porque “sempre” opera acima do IPCA. Não é verdade. Pelo menos nos anos de 2006 e 2007 o índice apurado pela FGV foi sensivelmente inferior ao IPCA: em 2006, por exemplo, quem tinha aluguel reajustado sobre o acumulado de 12 meses apurado no fim de janeiro daquele ano sofreu aumento de 1,74%.

O principal motivo da obsessão midiática pelo ainda adormecido dragão inflacionário reside no fato de que ele pode pôr fim à lua-de-mel dos mais pobres com o presidente Lula. Com efeito, a inflação é especialmente mais dolorosa para as pessoas com menos poder aquisitivo, sobretudo se concentrada – como parece ser o caso – nos chamados itens de primeira necessidade. Daí a constrangedora quase indisfarçável torcida dos brasileiros com “B” maiúsculo donos de jornais e seus colunistas que não querem perder o emprego.

Mas voltemos ao tema da possível “mãozinha” ao controle de preços involuntariamente dada pela mídia. Os jornais, o rádio e a TV bem que poderiam se comportar como no final de 2002, quando, repitamos, a inflação oficial ultrapassou os12%, e fingir que estamos no melhor dos mundos, longe de qualquer risco inflacionário. O clima de segurança seria maior, e como a economia, apesar do BC, ainda tem demonstrado algum fôlego, as pessoas poderiam se sentir à vontade para gastar de forma despreocupada. Mas, aparentemente, a mudança de perfil da imprensa quanto à preocupação com o tema – sensivelmente diferente dos tempos em que o presidente era FHC – tem levado os consumidores a pensar duas vezes antes de levar um produto, a “pisar no freio”, a escolher produtos mais baratos. O resultado, talvez, acabe sendo uma inflação encorpada porém bem-comportada, do tipo que não fuja das metas estabelecidas.

Mas de todo modo, dirão alguns, o resultado vai ser um crescimento menor da economia, com conseqüente diminuição de abertura de vagas de emprego, com redução da expansão industrial, e, assim, o tiro não terá saído pela culatra, ou seja, de uma forma ou de outra, a mídia anti-Lula terá feito um tento. Ora, fazer o quê? No fundo, ninguém poderia esperar algo muito diferente de semelhante cenário, haja vista a política adotada pelo BC ainda em 2007, quando cautelosamente já cessara a redução da SELIC, para reiniciar a alta já no começo deste ano. É um desarranjo do qual o país precisaria se livrar, mas que exigiria mudanças no modelo econômico, o que, pelo que tudo indica, poucos estariam dispostos a abraçar. Mais uma vez, leitor, isso é o que podemos chamar de problemas estruturais ligados à ordem capitalista. É como se se dissesse: que se “pise no acelerador” e que se cresça desmesuradamente, depois disso, agüente-se a inflação que corroerá os possíveis ganhos; ou, diferentemente, que se trabalhe em prol de uma inflação na rédea curta, mas num clima de estagnação, com poucos empregos, poucas perspectivas, produtos de pequeno valor, cenário de baixo faturamento e de crescimento abaixo de medíocre.

Mas se o assunto agora é o controle de inflação, que cuidemos disso. Obtido sucesso nessa empreitada, esperemos pela grita contra o “crescimento maior só que o do Haiti”. Um problema de cada vez para o governo e para a mídia brasileiros!

E já que a mídia não gosta de cultivar a memória nacional, por favor, clique aqui.

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