sábado, 5 de julho de 2008

Ótima notícia. Ponto.

A alegria pela liberdade de Ingrid Betancourt foi enevoada pelo delírio de análises que pulularam na imprensa, na Internet, nas vozes de especialistas.

Sabe-se lá o que é ficar seis anos da vida nas mãos de uma guerrilha, longe da família e dos amigos, com prováveis problemas de saúde, sem contato com o mundo, sem imaginar como seria o dia seguinte. Deve ser muito difícil, e somente quem passa por isso pode ser capaz de expressar o grau de sofrimento, que certamente trará marcas por toda a vida. Juntamente com Ingrid, mais 14 foram libertados. Enquanto elaboramos estas maldigitadas, muitos outros estão na mesma situação degradante por que ela passou durante essa meia dúzia de anos. A despeito disso, muitos comemoraram não a sua liberdade, mas o triunfo de Uribe, o duro golpe sofrido pelas Farc, uma suposta derrota de Chávez. Para completar o circo, há a notícia de que em verdade o resgate de Betancourt e dos outros reféns foi uma encenação comprada das Farc por uma quantia vultosa.

Somos egoístas demais para perder nosso tempo nos dando ao luxo de nos colocar no lugar dos outros. Por isso podemos ficar brincando de avaliar os efeitos geopolíticos e o “sobe-e-desce” de personalidades advindo do quadro pós-resgate. É lamentável e é vergonhoso. Não bastasse isso, a maior parte dos comentários é cínica e/ou falaciosa.

O que querem dizer com triunfo de Uribe? Que ele conseguiu um mote para tentar um terceiro mandato consecutivo? Ou seja, ele pode fazer aquilo que era escandaloso para Chávez ou que é um fantasma que paira sobre o abençoado mandato de Lula? Os que dizem isso precisavam ter coragem de falar com mais clareza o que realmente significa uma vitória de Alvaro Uribe e por que aceitam para ele aquilo que condenam - ou condenariam - para os outros.

A libertação de Ingrid Betancourt foi um duro golpe para as Farc, não há negativa possível para essa afirmação. Mas, em realidade, a guerrilha, do ponto de vista político, já está derrotada há muito tempo. Suas práticas são por todos condenadas, e o grupo é a todo o momento exortado a entrar no jogo político dentro de suas regras normais, para alterá-lo, se for o caso, pela via institucional. Noutro post, citamos a participação do então candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva no Jornal Nacional em 2002. Naquele encontro, um telespectador fizera uma pergunta sobre as Farc, e o petista respondeu exatamente do nosso modo aqui, ou seja, que se o grupo queria fazer mudanças profundas na sociedade, era muito simples: que agisse como ele (Lula), formasse um partido político e disputasse os corações, mentes e votos dos cidadãos colombianos.

E quanto à derrota de Hugo Chávez? Que derrota? Por quê? Se este blogueiro não se engana, há alguns meses o presidente venezuelano foi o grande negociador para a libertação de outros reféns tão vítimas da violência das Farc quanto foi Ingrid Betancourt durante esses anos. Ademais, Chávez durante todo o tempo defendeu que o exército colombiano teria condições de agir com inteligência e dentro dos limites para resolver o problema com a guerrilha. Ironicamente, os comandantes de confiança de Uribe, de certo modo, seguiram os conselhos de Chávez e de outros críticos do presidente colombiano e, aparentemente, trabalharam com a agilidade e a firmeza que seriam desejáveis no trato da questão.

Por fim, a alegria da libertação da franco-colombiana e de outros reféns deve ser capaz de obscurecer a suposta armação de um resgate pago. Convenhamos, isso seria uma ação suicida de Uribe, homem pragmático e calculista, como admitem até mesmo seus admiradores. E Para a já combalida e desacreditada guerrilha, este constituiria um ato de abandono de qualquer convicção ou ideologia que se pudesse levar a sério. No dito pelo não-dito, que esqueçamos todas as besteiras possíveis de ser proferidas ou especuladas e fiquemos com a felicidade dos reféns libertos.

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