sábado, 25 de outubro de 2008

Sonny Rollins no Ibirapuera

Uma apresentação gratuita de Sonny Rollins no aprazível Parque do Ibirapuera sem dúvida que era programa imperdível.

Não consigo ir ao Parque sem me estarrecer com o disparate que é chegar a ele a pé. É um rematado absurdo que uma das principais áreas de lazer de São Paulo, de alta (e rara) concentração de verde, própria para caminhadas e “bicicletadas”, imponha tão inacreditáveis óbices para os pedestres. De qualquer modo, não deixa de ser didático: isto talvez explique por que a classe média paulistana tem tanta ira de políticos que priorizam o transporte coletivo. Qualquer homem público ajuizado vai sempre facilitar a vida dos que andam de carro, mesmo que seja num lugar onde o tráfego deveria até ser proibido.

Além do excesso de veículos que não me deixavam atravessar a rua, talvez sol e o calor de mais de 30 graus também tenham contribuído para aumentar meu mau humor. Mas havia a certeza de que ele se dissiparia com o show do lendário saxofonista. Dito e feito, o artista, quase octogenário, já apresentando dificuldades de locomoção, mostrou que não há idade para quem lida com a música. Tudo bem, eu sei, é um clichê. Pois bem, aí vai mais um: Rollins, apesar da idade avançada, tocou como um garoto, acompanhado por uma banda competente. E vale dizer que o músico não se escondeu atrás do grupo. Ao contrário, o grande saxofonista solou incansavelmente quase o tempo inteiro e fazia intervenções quando das sessões dos demais músicos.

Pontos altos: a balada “In a Sentimental Mood”, pela força de seu contraste em relação à predominância do hard bop na apresentação; o outro foi a passagem de som alguns minutos antes do show: o pouco público que lá se encontrava vibrou bastante com o ensaio dos músicos, inclusive do próprio Rollins, o que já teria valido a pena para quem, por algum motivo, precisasse ir embora antes do concerto.

Espero que você, leitor, tenha sido um dos privilegiados presentes no Ibirapuera, na manhã de 25 de outubro de 2008.

O neoliberalismo parece ter morrido. Já os neoliberais...

Provavelmente nunca houve na história ideário que tenha sofrido tão forte revés como o que ora se abate sobre o neoliberalismo. Nem mesmo a queda do assim chamado socialismo real teve tanto impacto sobre um conjunto de idéias. Afinal, o simpatizante socialista teve – e tem – a seu favor a defesa de que nunca, de fato, o modelo existiu numa forma pura. Afinal, dir-se-ia - o que existiu no Leste Europeu, por exemplo, foi um forte estatismo, economia centralizada/planificada, ou até mesmo, para nos valermos de expressão empregada por Robert Kurz, um socialismo de estado altamente concentrador, sem verdadeira propriedade social dos meios de produção, sem sombra sequer de ditadura do proletariado, antes havendo a ditadura das burocracias dirigentes dos regimes, com direito até a cultos de personalidade de alguns líderes.

O projeto neoliberal, por sua vez, existiu de verdade, foi levado a cabo em nações capitalistas de diversas tendências e tamanhos, foi-lhe assegurada a maioria de suas características, de forma a merecer poucos reparos, sempre se apostando nos dogmas de estado mínimo e da total liberdade cumulada com absoluta supremacia dos mercados, com direito ao mais completo descaso para com as questões sociais e de interesse do mundo do trabalho.

Mas a supercrise internacional deu um forte golpe na seara neoliberal, com a entrada em cena do “vil e desprezível” Estado, que a custa de todos aparece agora para salvar os empreendedores do admirável mundo novo idealizado pelos "Chicago Boys" e logo de cara abraçado por Thatcher, Reagan e outros.

É estarrecedor ver os circunspetos economistas de plantão e alguns colunistas da grande imprensa apoiando o intervencionismo estatal nos Estados Unidos e na Europa. Mas, como a fábula do sapo e do escorpião, há um sério problema de natureza envolvido na questão. Nesta semana, vi no BandNews TV um rapaz sendo entrevistado pela repórter de economia da emissora, direto da BM&F. O moço, não me lembro se da Academia ou se do mercado, comentando os últimos desdobramentos da crise, falou da importância da intervenção “temporária, transitória” do Estado nos negócios da economia. Isto mesmo: o garoto, talvez num ato falho – ou nem tão falho assim -, deixou claro que a fundamental atuação do Estado, a qual ele aprova, deve ser pontual, temporária, transitória! Quer dizer, o rapaz já está antevendo – ou talvez propondo – que, passado o "tsunami", o Estado e suas regras devam cair fora, deixando o espaço livre novamente para os lucros, que, ao contrário dos socializados prejuízos das quebradeiras, merecem voltar a ser devidamente privatizados.

Viu-se também muita gritaria na imprensa brasileira por conta da MP que abre caminho para a Caixa e o BB arrebanharem bancos menores em dificuldades. A primeira página de O Globo chegou a atribuir os maus resultados do mercado naquele dia ao susto que o governo brasileiro havia pregado com essa conversa (esqueceram-se de que a “volatilidade” da Bolsa e a instabilidade do dólar já estão aí há bem mais de mês, muito antes da tal Medida Provisória amedrontadora). Na Folha, por seu turno, chamada de primeira página trazia trecho de texto de um colunista dizendo que o PROER era melhor e mais transparente. Se eu bem entendi, o rapaz quis dizer que tudo ok quando o Estado entra na jogada, desde que seja para sanear bancos para o capital privado. Será que o leitor ficaria muito chocado se eu classificasse tudo isso de cara-de-pau das mais deslavadas?

Se o neoliberalismo morreu, o discurso neoliberal, como se vê, mantém-se vivo, ao menos no Brasil.

Uma objeção inteligente que o leitor bem pode fazer é a de que, se as idéias ainda encontram defensores, a colocação delas em prática não pode, do ponto de vista lógico, ser a priori descartada. Portanto, o neoliberalismo não pode ter morrido se os seus apologetas estão vivíssimos.

Mas nesse caso talvez teremos o embate, proposto por Weber, entre a “ética de responsabilidades” e a “ética de princípios”. Sem dúvida que aparecerão muitos - inclusive políticos - tentando novamente puxar a brasa para a sardinha do mercado, fazendo discursos liberalizantes, aproveitando-se do “cartaz” que isso dará, encontrando nisso uma forma de ganhar espaço privilegiado na mídia, junto aos empresários etc. Entretanto, em postos decisórios, faltará coragem a essas mesmas pessoas para propor desregulamentações, ausências de controle, o deixa-estar-para-ver-como-fica etc. Noutras palavras, ninguém quererá, a despeito da fé mais cega, apostar as fichas no deus-dará do mercado, pelo menos não enquanto ainda for viva a memória dessa avassaladora crise internacional.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Eu não sou cachorro, não (CD) - 2004

“Trilha sonora de livro” soa muito estranho. Mas é exatamente o que temos aqui: uma coleção de músicas populares cafonas dos anos 1970 que servem de fundo para a leitura do livro Eu não sou cachorro, não, de Paulo Cesar de Araújo, selecionadas pelo próprio autor.

A idéia foi mostrar o quanto os artistas extremamente populares (popularescos mesmo, exemplos do mau gosto, numa palavra, os bregas) trouxeram de desconforto para o establishment político dos anos de chumbo e como chocaram o “bom gosto” elitista da classe média e dos intelectuais da “porção Bélgica” da “Belíndia”.

Que alguns figurões do primeiro escalão da MPB incomodaram os militares ou usaram metáforas assaz criativas para despistar a censura todo mundo sabe. Mas é desconcertante descobrir que nomes como, por exemplo, Waldick Soriano e Odair José tenham trazido alguma dor de cabeça para as autoridades do período mais duro do regime militar. É a este propósito que a excelente coletânea serve.

O recentemente falecido Waldick Soriano aparece com a clássica canção que dá título ao livro e à presente compilação e também com “Tortura de Amor”, música que o baiano lançara em 1962 e que viria a regravar em 1974. Se no início dos anos 1960 ela não causou maiores transtornos, já no meado dos anos 1970 teve sua execução proibida em todo o território nacional, simplesmente por conta da palavra “tortura”, vocábulo que não caía bem adentrar o recôndito dos lares brasileiros ou tomar as ruas deste continental país àquela época. Já o megahit romântico “Eu Não Sou Cachorro Não”, analisada em retrospecto, também serve, segundo Paulo Cesar, como uma espécie de hino para os pobres vituperados pelas autoridades e pelo sistema, um canto que ecoava de Norte a Sul do país, na boca do mesmo povo que candidamente esperava o bolo crescer.

A obra do goiano Odair José também sentiu a lâmina afiada da tesoura naqueles “anos de exceção”. Só para começar, basta dizer que a faixa “Em Qualquer Lugar”, de 1973, só veio ganhar a luz justamente nesta coletânea, depois de mais de 30 anos, censurada que foi na época por sua suposta conotação sexual, assunto que era pouco recomendável naquele clima de moralismo próprio das ditaduras. Por outro lado, a canção “Viagem” conseguiu, depois de recurso, ser liberada pela censura, não obstante sua letra escancaradamente apologética ao uso de maconha. A sorte de “Uma Vida Só” (Pare de Tomar a Pílula) só foi mudada depois de a música estar nos primeiros lugares da parada. Diferentemente do que muitos hoje pensam, ela não foi banida por causa da referência à pílula, mas, ao contrário, ela o foi justamente porque o uso de anticoncepcionais vinha sendo recomendado por maciças campanhas governamentais, e a singela canção de Odair poderia ser entendida como uma conclamação à desobediência civil! O polêmico artista encerra a presente coleção com “Vou Tirar Você Desse Lugar”, ao lado do intragável Caetano Veloso, na famosa apresentação do evento Phono 73, realizado em São Paulo naquele ano. Mostrando que não é de hoje que o insuportável cantor e compositor baiano é dado a fazer demagogia, ele convidou Odair José para dividir o palco com ele. Mas isso, segundo Paulo Cesar de Araújo, só depois de Hermeto Pascoal ter recusado tão “inestimável honra”...

Outros temas de caráter social presentes no CD são: “Garoto de Rua”, do obscuro cantor Balthazar, que trata do tema da infância abandonada, composta em... (não, não é no final dos anos 1980, início dos 90, não), composta em 1976; o brega-soul(!) “Eu Queria Ser Negro”, de Marcus Pitter, falava da segregação e dava um tiro certo no mito da democracia racial, com direito a um refrão pegajoso que por muito pouco não é um plágio da versão de Wilson Pickett para “Land of Thousand Dances”, de Chris Kenner; “Você Também É Responsável”, com a dupla “chapa-branca” Dom e Ravel, é uma tremenda curiosidade: canção que foi feita para ser uma espécie de hino do Movimento Brasileiro de Alfabetização, o Mobral, acabou chamando atenção demais para a questão das desigualdades sociais e das agruras da população pobre, a ponto de lhes ser solicitado que mudassem a letra, sugestão que, felizmente, não foi acolhida pelos cearenses.

Outros destaques da coletânea: o ídolo Paulo Sérgio, em pleno 1970, ano do tri, clima de “ninguém segura este país”, afirmava, com seu jeito apaixonado de cantar, que queria dar um fim em tudo, na ultra-romântica (aqui num sentido mais “Álvares de Azevedo” do termo) “Não Creio em Mais Nada”, canção tributária do estilo jovem guarda, porém sem a puerilidade das letras daquele gênero, isso sem falar do órgão intermitente que evocava – olha a heresia aí – um Strawberry Alarm Clock ou um ? & the Mysterians. O controverso Agnaldo Timóteo também causa espécie com “A Galeria do Amor”, música em homenagem à famosa Galeria Alaska, então um reduto de homossexuais no Rio de Janeiro, que bem mereceria entrar naquelas listas de melhores canções gays de todos os tempos, ainda mais por seu estilão, digamos, kitsch de ser!

Por fim, o sambão-jóia “Retalhos de Cetim”, de Benito di Paula, e “Brasileiro no Meu Calor”, de Sidney Magal, aqui apenas ocupam espaço, como mera curiosidade, um tanto fora do contexto do álbum. (Magal, aliás, ao lado de Caetano Veloso, é sem dúvida a presença mais desagradável do disco). Como último destaque, vale mencionar a inclusão de um dos maiores sucessos do redivivo Evaldo Braga. O cantor de voz potente, morto em pleno auge com 25 anos, está tendo um de seus maiores sucessos utilizado por campanha de um candidato à Prefeitura de São Paulo neste ano de 2008. Mas nesta compilação, em vez de “Sorria”, temos a também notável “A Cruz que Carrego”. Não chega a ser uma maravilha, mas minha mãe gosta muito dele, por isso, em homenagem a ela, vou aqui manifestar o meu respeito ao “ídolo negro”. Boa leitura; boa audição!

Leia mais críticas musicais no site RateYourMusic

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Eleições Municipais 2008 - São Paulo - Debates para quem precisa

Para que servem os debates?

Os políticos sempre falam da importância deles; a imprensa lhes dá o maior cartaz; alguns eleitores dissimulados afirmam ser eles importantes na hora de decidir o voto.

Será que é tudo isso mesmo?

Na primeira pesquisa do Datafolha para o segundo turno da disputa na capital de São Paulo foi medida a cristalização do voto. Ela não era nada desprezível: a maioria esmagadora dos eleitores garantiu que ja havia definido, sem chances de mudar, o seu candidato. É de se presumir, portanto, que os debates não afetam um tão grande número de eleitores assim.

Mas, a despeito disso, já ocorreram dois debates de Marta e Kassab, um na Bandeirantes e outro na Record, e ocorrerá um terceiro na Globo. Já os vimos trocando acusações, ela falando do que fez, ele falando do que está fazendo; no mais, quase nada de propostas, apenas "promessas" que se repetiram em ambos os debates e que certamente "baterão ponto" novamente no derradeiro que está por ocorrer.

Mas toda a discussão acerca dos debates e seus desdobramentos não deve ser de graça. Provavelmente é conseqüência dos exageros da mídia, a única que realmente se beneficia dessa overdose, pois sempre pode explorar as farpas, as gafes, as polêmicas que inevitavelmente ocorrem nesse tipo de encontro.

Já para a sua excelência, o eleitor, não serve para nada. Pergunto: será quantos eleitores deixarão de votar em Gilberto Kassab por ele ter sido desmascarado, no debate da Band, quanto à questão da licença de 180 dias das servidoras do município, por exemplo? Numa pergunta sobre o assunto, Marta deu um golpe mortal no candidato do DEM, chamando atenção para o fato de que ele vetara o projeto, para depois, eleitoreiramente, reapresentá-lo. Não vi, no dia-a-dia, nenhuma ressonância sobre tão importante demonstração do caráter do candidato, numa prova cabal de que o ser péssimo e o ser ótimo no debate talvez esteja separado por uma linha muito tênue.

Seja sincero, caro leitor: algum dos candidatos foi tão melhor assim no debate da Record? Penso que não, houve um equilíbrio, sem dúvida. Mas algumas horas depois, enquete do site do Estadão dava que o prefeito fora melhor para 86% dos votantes. Ora, ainda que se admitisse que Kassab possa ter se saído melhor, não foi nada que justificasse uma "lavada" daquelas! Em verdade o que ocorre é que, como seria de se esperar, os leitores do superconservador jornal paulistano apóiam em peso o candidato democrata. Nada mais fizeram, pois, do que manifestar suas preferências. Nada de novo no front: se Kassab tivesse passado a noite inteira só olhando para a câmera, fazendo caretas ou piscando para as suas (agora) pretendentes, ele continuaria parecendo o melhor para 86% de potenciais leitores do Estadão, pode apostar!

Depois alguém me conta como foi o debate da Globo, pois eu não pretendo perder meu tempo.

Obrigado!

domingo, 19 de outubro de 2008

Nota Fiscal Paulista II

Sei que não é da conta de ninguém e coisa e tal, mas eu, desobedecendo a ordem presente em alguns milhares de mensagens bem-intencionadas que recebi pelo meu correio eletrônico, clamando para eu nunca solicitar a Nota Fiscal Paulista, participei desde a primeira hora do programa da Secretaria da Fazenda de São Paulo.

Para mim foi algo natural, pois sempre tive o hábito de solicitar nota fiscal de todas as compras. Em nenhum momento me deixei levar por histórias que afirmavam ser a iniciativa um ardil do governo para controlar nossas vidas e gastos. Mas, de qualquer forma, como bom brasileiro que sou, desconfiei se realmente haveria algum retorno por parte do programa.

Pois bem. Por incrível que pareça, a Secretaria começou a distribuir os créditos. A pessoa tem a prerrogativa de usá-los para abatimento no IPVA, ou, nos créditos acima de R$25,00, pode solicitar depósito em conta corrente.

Desconfiadíssimo, resolvi, só para desencargo de consciência, passar o número de minha conta para a ínclita Secretaria. E não é que os caras depositaram mesmo? Sim, é lógico que o que voltou para o meu bolso foi uma quantia ínfima perto do que consumi e em relação ao que os contribuintes recolhem; mas, de qualquer modo, para nós que tanto reclamamos dos impostos que pagamos é um alento que ao menos alguma coisinha volte de vez em quando. E mais: tendo em vista que qualquer um de nós certamente possui algum bom motivo para não acreditar na palavra de órgãos públicos, não deixa de ser alvissareiro que a Secretaria Estadual tenha cumprido, com a melhor das prestezas, sua parte no acordo.

Agora, por fim, fico arrasado de saber que nem tudo o que a gente lê na Internet é verdade. É triste ver que a toda hora os mitos distribuídos por e-mail são desmoralizados pelos fatos concretos!

Como certa vez mais ou menos disse Homer Simpson, quando vê sua imagem sendo vilipendiada na rede mundial de computadores: "a Internet foi criada para ajudar os órgãos de defesa e as universidades em suas pesquisas, não deveria servir para esse tipo de coisa!"

Não deveria servir também para se pregar a sonegação, como alguns andaram fazendo no caso da NFP.

Leia também Nota Fiscal Paulista

sábado, 18 de outubro de 2008

500 anos de PSDB

Após a batalha campal que envolveu policiais civis em greve e policiais militares de São Paulo, próximo ao Palácio dos Bandeirantes, o governador José Serra apressou-se em atribuir a confusão ao PT e a políticos ligados a uma central sindical, afirmando tratar-se de ato de motivação político-eleitoral.

Não é a primeira vez que um político do PSDB tenta associar a idéia de politicagem eleitoreira – geralmente ligada ao PT e a seus quadros - a eventos populares ou de certos grupos tidos como enérgicos, polêmicos ou, vai lá, violentos. Antes de Serra, tucanos importantes como Alckmin e Fernando Henrique já usaram desse expediente com o intuito de desqualificar movimentos sociais, ou com o objetivo de colar num partido ou a algum político adversário a pecha de agitador ou de envolvido com práticas delituosas.

O que parece haver de fundo nisso tudo é uma incorporação, por parte do Partido da Social Democracia Brasileira, de análise própria da historiografia e da sociologia brasileiras que afirma ser o nosso povo passivo, do tipo que nunca conquistou nada, sempre dependente das migalhas oferecidas pelos donos do poder. Noutras palavras, a maioria de nossos direitos - assim como de nossas conquistas - veio de cima para baixo, a despeito de uma ou outra sublevação, em geral derrotadas, aqui e ali. Serra e outros importantes nomes de seu partido têm, com efeito, vestido o figurino das elites e oligarquias brasileiras, que, não somente constatam isso, mas querem mesmo ver tal modelo se reproduzindo; nada mais natural, portanto, que desconfiem da espontaneidade e legitimidade de grupos e movimentos que se afirmam independentes, enxergando no seu grosso uma mera massa de manobra operada por espertalhões.

Impossível, nessa altura do campeonato, não se lembrar de debate no segundo turno da eleição presidencial de 2006, no qual o presidente Lula, então candidato à reeleição, afirmou a Geraldo Alckmin que o grupo do ex-governador mandara no Brasil havia 500 anos, exatamente até a chegada dele (Lula) ao governo. Alckmin deu uma de bobo, dizendo que o PSDB não tinha tanto tempo assim de existência! Mas a fala de Serra, com o seu descaso para com a organização dos trabalhadores da Polícia Civil de São Paulo, vem dar a mais absoluta razão a Lula, que quis, àquela época, dizer que o ninho tucano é claramente desligado do povo, aproximado das elites, e nesse diapasão, tendente a acreditar que as pessoas não sabem o que fazem, que elas não têm vontade própria, que são incapazes de lutar por seus anseios e direitos, enfim, que estão sempre dispostas a serem apenas velhas e boas “vaquinhas de presépio” dos últimos 500 anos. Em conclusão, para o PSDB, este é o país do “de cima para baixo” mesmo e, pelo jeito, para eles é bom que continue assim.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Eleições Municipais 2008 - São Paulo - Hipocrisias

Polêmica que vem agitando a campanha pela sucessão da prefeitura paulistana não mostra apenas a desfaçatez dos políticos, mas também diz muito sobre o caráter prático da conduta do eleitor.

Marta Suplicy, mulher que de longa data trabalha em prol do respeito à diversidade e em favor de uma melhor educação sexual, permitiu que sua equipe de campanha veiculasse propaganda que fazia insinuações sobre a vida íntima de seu adversário. Chamemos esse evento de “cara-de-pau nº1”.

Como o leitor deve ter presumido, existe uma “cara-de-pau n°2”, e ela vem justamente do prefeito e de seu partido e de seus aliados. Mostram-se ofendidos, mas sempre adoraram espezinhar sobre a vida pessoal de seus adversários e não são dados a ter papas na língua na hora de fazer críticas à dimensão meramente humana, por assim dizer, de seus antagonistas (o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que o diga!).

Quem não se lembra de a campanha de José Serra, padrinho de Kassab, em 2002, tripudiar em cima da escolaridade do então candidato Lula? Já a própria Marta, em 2004, sofreu forte onda de preconceito em decorrência de decisões pessoais concernentes à sua vida conjugal. Mas tudo isso, em vez de habilitá-la a ela e a seu partido a usarem de expediente tão baixo, deveria antes servir-lhes de recomendação para serem mais zelosos com comentários sobre a vida pessoal alheia.

Mas falemos do eleitor. Em nome da elegância, evitaremos com muito custo de falar de uma “cara-de-pau nº3”, mas a grande verdade é que nós cidadãos não sabemos bem para que lado vamos e costumamos ter um moralismo para lá de seletivo, de acordo com nossas preferências: o mesmo sujeito que sempre odiou a Sra. Marta Suplicy em virtude de sua atuação simpática às causas dos homossexuais, agora se mostra chocado com uma possível exploração sobre a vida sexual de seu adversário. O mesmo eleitor que talvez a tenha abandonado em 2004 por causa de seu casamento desfeito, considera hoje sem sentido a pergunta sobre a vida conjugal (ou a ausência dela) do prefeito Kassab.

Tudo isso só prova que estamos todos no mesmo barco: a ex-prefeita com sua incompreensível baixaria, o atual prefeito e o seu partido com sua cínica indignação, e nós os eleitores com o nosso, digamos, “pragmatismo”!

Art Ensemble of Chicago

Grupo pelo qual passou pelo menos meia dúzia de artistas fundamentais do free jazz, o Art Ensemble of Chicago apresentou-se em São Paulo reduzido a um quarteto. De seus integrantes históricos, estavam somente o saxofonista Roscoe Mitchell e o baterista Famoudou Don Moye.

Dando razão à máxima que afirma ser necessário o domínio das regras antes de romper com elas, a banda demonstrou, no final de um show repleto do non-sense tipicamente vanguardista, que também tem pleno controle dos elementos mais clássicos, tradicionais e/ou palatáveis do jazz: os dois últimos números ficaram no meio do caminho do bebop e do hard bop e, no bis, o quarteto quase levou a platéia a chacoalhar num extraordinário avant-funk.

A performance dos estadunidenses fez parte da Mostra SESC de Artes, que segue até o dia 18 de outubro.

domingo, 12 de outubro de 2008

Eleições Municipais 2008 - São Paulo - Marta e Kassab

E o prefeito Kassab aparece com respeitável dianteira em relação à ex-prefeita Marta, segundo pesquisa de opinião.

Como já era previsível, e de certo modo fora antecipado por este blog, o eleitor mais de direita pulou na sua maioria esmagadora para a campanha do candidato pelo DEM. Causou alguma surpresa, todavia, a migração de boa parte dos eleitores da candidata Sônia Francine para o ninho do democrata. A surpresa só não foi maior pelo fato de que, pelo que tudo indica, muitos eleitores da própria Marta também pularam, na última hora, para a esquadra governista.

A explicação do fenômeno talvez esteja naquilo que a petista chegou a considerar como um de seus grandes trunfos: a boa administração do presidente Lula. Como ficou amplamente demonstrado nos resultados em todo o Brasil, os prefeitos ou seus candidatos foram, em sua maioria, beneficiados pelo clima de estabilidade que vige no país. Certamente não é diferente com Kassab, que está se beneficiando do bom momento na economia, da ascensão de uma nova classe média, do orçamento mais encorpado, dos incrementos de arrecadação que, ao contrário do que os comentaristas de plantão nos querem fazer entender, não se concentram apenas em nível federal, mas se espalham, sim, em todas as esferas administrativas do país. Tudo isso é tão verdade que o prefeito, embora integrante do segundo principal partido de oposição a Lula, não somente tem evitado críticas ao presidente, como o tem elogiado quando possível.

Se as pessoas estão bem e satisfeitas com o conjunto de coisas, uma administração medíocre (na acepção da palavra) não vai encontrar oposição suficiente para ser rechaçada. Desse modo, o capital político do presidente não foi tão a favor de seus candidatos, mas atuou em benefício do continuísmo geral, desde que ao menos razoável.

Agora é esperar para ver se a candidata do PT conseguirá fazer frente a essa situação e se saberá usar a seu favor a popularidade de seu colega de partido, o Presidente da República. E o que ela precisa mesmo é recuperar os votos que perdeu para Kassab e angariar a maioria dos que ficaram com Soninha, pois em certos setores não adianta ela tentar, porque não conseguirá vencer as barreiras do preconceito.

sábado, 4 de outubro de 2008

Dólar

Eis que as coisas parecem voltar ao normal: a subida do dólar timidamente recupera seu posto de indicador de crises, dificuldades, anomalias.

Cabe explicação.

Talvez o leitor se lembre de 2002. Naquele ano eleitoral, a moeda americana aproximou-se dos quatro reais. Havia crise na Argentina e, no campo interno, havia o efeito Lula, que, segundo alguns, era o grande responsável pela valorização da moeda internacional. Com a iminente vitória do petista, os ajuizados de plantão recomendavam a aplicação no dólar, que, segundo eles, tenderia a continuar subindo no eventual governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Com a chegada de Lula ao governo o que se viu, no entanto, foi uma queda livre do dólar. Daí ocorreu o inesperado: diversos economistas, alguns comentaristas e os representantes dos setores exportadores começaram a reclamar da crescente apreciação do real frente à moeda norte-americana. Tal choradeira tornava-se incompreensível pelo menos em três frentes, duas delas ligadas à racionalidade econômica e a terceira ao mero cálculo político: a primeira é que a então alegada sobrevalorização do real, diferentemente do que ocorrera no primeiro mandato de FHC, se dava no modelo de câmbio flutuante, ou seja, era pautada pelo “deus-mercado”. A segunda é que, a despeito das “enormes dificuldades” dos exportadores, os saldos de balança comercial renovavam a cada mês o seu recorde. E por fim, o dólar barato, que na maioria das subconsciências era tido como algo positivo, passava a ser visto como um vilão, um entrave para o desenvolvimento de certos setores.

Mas agora, com a crise dos Estados Unidos, a obtenção de musculatura do dólar volta a ser apontada como prenunciação de tempos sombrios. Nossas subconsciências agradecem essa volta à normalidade! Os jornais parecem ter se esquecido de como abriam suas páginas para os experts que maldiziam o real “sobrevalorizado”(?); tampouco se lembram dos espaços que ofertavam aos políticos de oposição para que eles esbravejassem contra a “equivocada política cambial do governo brasileiro”. No ano eleitoral de 2006, um ouvinte encaminhou mensagem ao jornalista Mauro Halfeld, da CBN, questionando justamente se, afinal de contas, o dólar barato era bom ou era ruim para o país. Decerto que aquele ouvinte encontrava-se desconcertado pelas inúmeras entrevistas e comentários daquela emissora que criticavam a queda livre do dólar, que, salvo engano, àquele momento operava na faixa dos R$2,30 a R$2,40, ou seja, cerca de 20% a mais do que hoje.

E onde estão os críticos do dólar barato? Gostaria de ver suas celebrações ou ouvir o ecoar do grito que lhes deve estar engasgado desde o início do governo Lula: viva a subida do dólar!

Mas, afinal, é bom ou é ruim para o Brasil?...

Jazz em outubro


No mês de outubro, a cidade de São Paulo contará com pelo menos duas atrações imperdíveis para os fãs de jazz: o grupo Art Ensemble of Chicago, dias 10, 11 e 12 no SESC Vila Mariana, e o saxofonista Sonny Rollins, dia 21 no Auditório Ibirapuera e dia 25 do lado externo da casa. A segunda apresentação é gratuita!

Que não se pense, porém, que o jazzófilo tenha que assistir às apresentações dos dois nomes. Não há dúvida que há diferenças abissais entre os artistas: Rollins está ligado aos caracteres mais, digamos, normais do jazz, tendo passeado pelo bebop, hard-bop e cool jazz, especialmente em carreira solo, mas também ao lado de mestres como Thelonious Monk e Miles Davis. Já o Art Ensemble of Chicago, grupo surgido nos anos 1960, é devoto da mais radical vanguarda jazzística mesclada com a ancestralidade africana do gênero, numa paradoxal mistura de passado e futuro. É perfeitamente compreensível, portanto, que haja aqueles que se engalfinhem para prestigiar um deles, enquanto rechaçam veementemente o outro.

Do show de Rollins, pode-se esperar virtuosismo, energia e alguns standards. Da performance do Art Ensemble of Chicago, temas inusitados, teatralizações e, eventualmente, o silêncio.

Se tudo correr bem, este blogueiro desprovido de preconceitos exaltará a diferença - e genialidade - de ambos.