quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Palestina e Israel

Para quem quer entender melhor os tristes eventos deste fim de 2008, marcados pelos ataques de Israel na Faixa de Gaza, supostamente mirados no grupo Hamas, faz-se necessária a leitura de um pequeno livro da coleção “Primeiros Passos”, da Brasiliense: O que é questão palestina, da jornalista e cientista social Helena Salem.

De início, a autora desmistifica a tese de que o conflito árabe-israelense teria caráter milenar e que ele seria de cunho essencialmente religioso ou racial. Em verdade, árabes e judeus sempre tiveram convivência pacífica até a sedimentação do movimento sionista, especialmente da sua corrente que pregava a “volta à Palestina”, com o objetivo de criar um “lar judeu”. Parte da população árabe foi dizimada, e muitos tiveram que abandonar suas casas, expulsos que eram por colonos judeus apoiados pelos britânicos. O confronto é, portanto, segundo a cientista social, basicamente político desde os seus primórdios, tendo se agravado com a Segunda Grande Guerra, que trouxe situações extremamente difíceis aos judeus da Europa, levando-os a imigrarem em grande número para a região da Palestina.

Inicialmente, a região foi partilhada, pouco tempo depois da Segunda Guerra Mundial, num Estado judeu e outro árabe. Numa malfadada guerra iniciada em 1948 pelos árabes, que se sentiram lesados com a divisão sobre a qual não foram chamados a opinar, Israel conseguiu abocanhar mais território, enquanto a Palestina sumia. Outros eventos belicosos que ocorreriam nas décadas seguintes levariam Israel a ampliar suas fronteiras.

E a situação, como bem se vê, é complicada até os dias de hoje.

O apoio norte-americano à causa israelense e a ausência de viés crítico na mídia de todo o mundo impedem uma análise desapaixonada da pendenga. Tenta-se apresentar Israel como uma ilha de modernidade no “atraso” do Oriente Médio ou como uma nação politicamente organizada que apenas se defende de grupos terroristas. Não se deve perder de vista, todavia, que o movimento sionista contou na sua formação com grupos de extrema-direita de inclinação terrorista como o Irgun e o Stern. Ademais, o Estado israelense, de moto próprio ou na vista grossa aos atos de colonos judeus, sempre agiu de forma pouco respeitosa aos direitos humanos para com a população palestina. Israel notabiliza-se também pelo reiterado desrespeito a diversas resoluções da ONU, e isso desde a sua criação, em fins da década de 1940. Além disso, as reações israelenses aos supostos atos terroristas do Hamas, por exemplo, são, como bem disse nota do Itamaraty, desproporcionais, constituindo, sob certa leitura, atos que também podem ser associados ao terror, ainda mais que se vê a população civil sendo duramente atingida.

Alguém pode dizer que o livro de Helena Salem (autora que, aliás, é de ascendência judaica), é muito pró-Palestina ou, lendo de outra forma, anti-Israel ou francamente anti-sionista. Talvez seja. De todo modo, não devemos condená-lo por ser contrário ao discurso único. Vale pelo menos como uma segunda opinião.

sábado, 27 de dezembro de 2008

2009

As perspectivas econômicas para o Brasil em 2009 não vêm sendo apresentadas com as cores mais alegres: o crescimento econômico deverá ficar muito abaixo do de 2008; o desemprego deve começar em alta; a renda do trabalhador ficará estagnada. Tudo isso é somente parte do que dizem e é visto como conseqüência da crise internacional.

Mas será que dá para levar tais previsões tão a sério assim?

No final de 2007, as projeções para 2008 também não eram das melhores. Temia-se no final daquele ano que a crise do subprime não tardaria a resvalar no mercado brasileiro já nos primeiros meses de 2008, o que evidentemente não ocorreu, pelo menos não de modo a afetar o cotidiano das pessoas. Na última ou penúltima reunião do COPOM em 2007 cessara a gradual queda dos juros que até então vinha sendo operada, o que fez a maioria dos analistas antever algum período de retração, situação que certamente não será confirmada pelo crescimento do PIB deste ano. Por fim, com a derrota do governo na votação da CPMF, era dada como certa uma abrupta queda na arrecadação, previsão que viria a ser fragorosamente desmentida já nos primeiros meses de 2008. Posto isto, se os economistas e analistas de hoje “acertarem” no mesmo patamar do de 2007, não haverá motivo para tanta preocupação em 2009!

E há mais: no decorrer do próprio ano de 2008 apostou-se que a inflação iria extrapolar as bandas da meta do Banco Central. Os mesmos analistas ouvidos pelo BC acreditam agora, no final de 2008, que o IPC-A não passará dos 6% a.a., diante do extremo da meta que é de 6,5% a.a.

Um professor dos cursos de pós-graduação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo certa feita disse que fazer previsão não é algo que mereça ser levado muito em consideração, afinal este bem pode ser – até com maior autoridade - o métier das cartomantes, dos sensitivos, jogadores de búzios etc. O máximo que se pode fazer são projeções de “cenários”, baseadas, é claro, em fatos concretos da política e da economia. A dura realidade, entretanto, pode pregar algumas peças nos videntes de plantão. Os números do natal surgem como parte de tal “dura realidade”: contraria muito do que se lia na imprensa a respeito de queda de vendas e acerca da crise que já se instalaria no final deste ano.

Que tal voltarmos, em breve, a falar do que “é” em vez do que "poderia ser”. É bem mais fácil...

sábado, 20 de dezembro de 2008

Pai dos ricos?

A espetacular popularidade do presidente Lula decerto que não constitui novidade. Novo, isto sim, é o bom resultado do presidente entre os mais ricos e mais escolarizados, segundo todos os levantamentos recentes. Para entender tal fenômeno seriam necessárias pesquisas qualitativas com as pessoas de tais perfis, como forma de se saber quais são os motivos que têm feito tal contingente, depois de anos, entusiasmar-se com o presidente que já era dos mais queridos da população pobre em toda a história do país. Este blog, porém, na base do “chutômetro” mesmo, dará um palpite sobre o assunto.

Os mais ricos e os mais escolarizados, como se sabe, fazem parte do grosso dos consumidores de jornais e de revistas de grande circulação e são grandes leitores (ou ouvintes, telespectadores) dos principais colunistas da mídia nativa. E por isso foram bombardeados durante pelo menos cinco anos com a tese de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva só se saía razoavelmente bem porque nadava nas águas calmas da bonança internacional. Os luminares de nossa imprensa, não satisfeitos apenas em desqualificar Lula, ainda por cima tentavam justificar a mediocridade de seu antecessor com a afirmação de que ele (FHC), sim, enfrentara importantes crises internacionais em sua gestão, o que explicaria alguns resultados esquecíveis de seu governo. (Em verdade, mais do que pela má sorte, o Brasil ficou muito vulnerável às crises dos anos 1990 em virtude do populismo cambial e das políticas suicidas – que muitos reconhecem ter sido necessárias – para se conter a inflação; mas aí é outra história).

Porém, há pelo menos um ano só se ouve falar de crise internacional, e, diferentemente daquelas da era FHC, em vez de na periferia do sistema, os resultados assustadores se mostram localizados nos Estados Unidos e em países da Europa. Desde os primeiros apuros, já se viam em fóruns da Internet alguns usuários prevendo que o Brasil iria à bancarrota em semanas, afinal o governo só se segurava por causa da calmaria externa. Não era diferente na imprensa dita especializada, sempre apostando que as coisas já começariam a quebrar imediatamente.

Mas conforme se divulgam os dados da economia, vê-se que, de forma geral, o Brasil ainda se segura bem, e, mais do que isso, o governo procura tomar algumas medidas preventivas contra a crise, e seus representantes, a começar pelo próprio presidente da República, não hesitam em se mostrar otimistas, irritando a imprensa, porém passando confiança ao povo. Não há negar, todavia, que alguns dados já se mostram deteriorados, e praticamente todos sabem que alguma retração virá; ainda assim, parece haver consenso de que o Brasil sofrerá menos do que muitos países centrais.

A classe média, os leitores de jornais, os mais escolarizados devem ter se sentido ludibriados pela grande mídia e seus estafetas, afinal uma crise nos Estados Unidos não é brincadeira. E o “presidente sortudo” vem se mostrando capaz de enfrentá-la, diferentemente do que diziam os colunistas e editorialistas da nossa combativa imprensa. Isso talvez tenha feito a classe média acordar de seu sono midiático e ter chegado à conclusão que durante todos esses anos houve – e tem havido – uma má vontade gritante contra o presidente Lula e uma desavergonhada torcida pelo insucesso de seu governo. E como burrice tem limites, nem todo mundo vai achar bacana o país quebrar só para rir da cara do presidente. Os que pensam assim (e - você sabe, amigo - eles existem na cifra de 6 ou 7%) precisam urgentemente de um laudo do Jacob Pinheiro Goldberg.

Para finalizar, duas observações: em primeiro lugar, se é que o caso é de boa ou má fortuna, reforçamos opinião já repetida alhures de que é melhor um presidente com sorte do que outro azarado! Em segundo lugar, alguém aí reparou que parece estar ocorrendo no Brasil a inversão do “efeito pedra no lago”?

Don Cherry - Symphony for Improvisers (1967)

O improviso é uma das principais características do jazz em geral – e é da essência do free jazz em particular. O trompetista Don Cherry está entre os principais artífices do gênero, tendo tocado ao lado de Coltrane, Ayler e, principalmente, Ornette Coleman.

Neste álbum, o músico chama um time multinacional, com um argentino (o famoso Gato Barbieri), um alemão e um francês; dentre os americanos, músicos já tarimbados da vanguarda jazzística: Pharoah Sanders (sax, piccolo) , Henry Grimes (baixo) e Ed Blackwell (bateria). Sanders traz um toque de lirismo ao non-sense predominante nas duas suítes que integram o disco, qualidade que surgiria esmerada no seu próprio Karma, lançado dois anos depois. Blackwell aparece incansável na sua batida rápida e marcante, fazendo-nos querer ouvir novamente os discos de Ornette Coleman de que participa.

As duas faixas que compõem o disco são divididas em quatro partes. Há coesão na composição, mas suas subdivisões são devidamente nuançadas, de modo que poderiam bem sobreviver como canções à parte. Acho que Cherry não se reviraria no túmulo se soubesse que algum ouvinte preferiu meter o dedo no “avança rápido” para se fixar num trecho que considere mais apetecível de qualquer das peças. É do gosto do freguês, portanto!

sábado, 13 de dezembro de 2008

Está todo mundo louco!

Na segunda-feira, dia 8 de dezembro, as bolsas de valores ao redor do mundo deram uma bela disparada. O motivo teria sido a proposta do presidente eleito dos Estados Unidos de investir em obras públicas, com o fim de dar uma força na geração de empregos. Como bem sabemos, a receita não é nova, antes encontra inspiração histórica em Roosevelt e teórica em Keynes. Obama foi além, dizendo que não é hora de se preocupar com a camisa-de-força representada pelo orçamento.

Atenção, você que acaba de sair do coma nos últimos dias, este blogueiro não está enganado: as principais bolsas de todo o mundo dispararam (e não despencaram) após esse anúncio do democrata eleito, mesmo tendo ele falado, em outras palavras, que não está esquentando muito a cabeça com déficits públicos.

Assistir aos movimentos nos tempos de crise tem, com efeito, dado nós em cabeças que se acostumaram a acompanhar noticiários e a ler ensaios tanto no campo da política quanto da economia. Aqueles que até alguns dias atrás se ajoelhavam diante do “deus-mercado”, agora falam de necessidade de regulamentação; os arautos da livre iniciativa, da concorrência e do risco, repentinamente saem em defesa de ajudas bilionárias a indústrias que foram a própria imagem do desenvolvimento capitalista; e finalmente, e em resumo, o velho Estado passa a ser um ente simpático, em vez de um estorvo para os empreendedores e cidadãos de uma sociedade livre.

Ok, amigos! Bem sei que já está virando clichê e soando enfadonho o apontamento dessas incongruências observadas não somente nos analistas econômicos e operadores do mercado financeiro, mas também na mídia e na boca da gente comum (o que é praticamente a mesma coisa, pois não raro as pessoas apenas repetem as besteiras que ouvem de nomes como Miriam Leitão, por exemplo). Mas, a despeito do abuso da paciência do leitor, vale a pena citar um exemplo doméstico e falar da estranheza que provoca ver algumas pessoas defendendo alguma rédea ao Banco Central do Brasil. Ora bolas, irritam-se eles, enquanto o mundo inteiro baixa os juros, o COPOM, na última reunião do ano, mantém inalterada a altíssima taxa brasileira. Isto, amigos, goste-se ou não, chama-se independência. A mesma independência que diziam que Lula iria tirar se fosse presidente. Tal afirmação, aliás, era uma das determinantes do chamado “risco Lula”, que tanto assustavam o mercado antes de o ex-metalúrgico sagrar-se presidente pela primeira vez. Assim não dá para entender! Então quer dizer que algo que deixava as "reginas duartes" da vida com medo de Lula agora é apresentado como uma necessidade por seus mais cruéis opositores?

Acompanhando tal série de desdobramentos, chega-se à conclusão que ramos como a economia, a política e a sociologia são objetos que tendem a sobreviver mais como ideologia do que como ciência. De científico mesmo, sob a ótica positivista, talvez somente a hipocrisia dos discursos – ela, sim, é a constante das análises. Mas, no varejo, como levar a sério uma “ciência” que hoje diz uma coisa que será negada amanhã. E pior que não dá nem para apelar para o falsificacionismo ou para as mudanças de paradigmas, pois não há avanço nas metamorfoses de visão, mas antes se volta a idéias que, no verão anterior, eram classificadas de retrógradas. Os mais simpáticos e menos desbocados podem dizer, no entanto, que em vez de hipocrisia dever-se-ia falar que análises do tipo dependem das condições reais, concretas de cada momento histórico. Pode ser. Mas vejo aí o espectro de Marx. O barbudo alemão e seus seguidores sempre disseram algo meio nessa linha. Mas o diabo é que pensadores como Popper viam nisso um fator que justamente dificultaria a concessão do status de ciência ao marxismo, pois baseado em algo tão pouco objetivo, como as assim chamadas condições concretas, encontrar-se-ia desculpa (palavra melhor do que justificativa) para tudo que se quisesse demonstrar: se as coisas ocorrem conforme um dado prognóstico, houve acerto; se fracassam, é que certas condições concretas não permitiram o resultado!

É um tanto confuso, bem sei. Mas neste mundo maluco, alguém me culparia por isso?!

Bobby Hutcherson - Dialogue (1965)

Mesmo as boas coleções de jazz podem parecer incompletas. É o caso daquelas que não contam com ao menos um disco de Bobby Hutcherson como líder. De todo modo, dificilmente haverá um bom colecionador que possa dizer que em sua discoteca não há a presença do sensacional vibrafonista. Com efeito, ele sempre aparece como membro de bandas de gente como Donald Byrd, Archie Shepp e Jackie McLean. (Sintomaticamente, em 2007 o músico esteve no Brasil não como artista principal, mas como integrante do grupo do organista Joey DeFrancesco).

Em Dialogue, foi a vez de Hutcherson receber o apoio de grandes nomes do jazz, com especial destaque ao pianista Andrew Hill, autor da maioria das canções do álbum. Hill, talvez em homenagem à versatilidade do festejado vibrafonista, compôs belas faixas que passam pela latinidade, pelo blues e pelo free. Ah! O grupo conta também com Freddie Hubbard e Sam Rivers. O último, por sinal, também freqüenta os melhores acervos geralmente não como líder, mas como integrante de vigorosas bandas de apoio. Trata-se de injustiça que também merece ser reparada quando possível.

Dr. Feelgood - Down by the Jetty (1974)

A idade vai passando, vamos amadurecendo, ficando mais chatos e/ou exigentes. Depois de muitas audições do melhor jazz já se começa a escutar certas coisas do rock com certo distanciamento crítico. Ainda assim, discos como este merecem uma conferida sem preconceitos.

Os ingleses do Dr. Feelgood são dos melhores exemplos do chamado pub rock: simplicidade, sujeira e alguma puerilidade, devidamente extraídas da singeleza do rock dos anos 1950 e 60, da lascívia do blues e do rhythm’n’blues e do agito do soul linha Stax/Volt.

Durante muito tempo acalentei o desejo de possuir este Down by the Jetty, mas nunca tivera a oportunidade de adquiri-lo. A informação que tinha era a de que ele soava mais cru do que o segundo álbum da banda, o espetacular Malpractice. Com efeito, o primeiro conta com um rock mais áspero e direto. Mas, apesar disso, o disco de 1975 é um tiquinho melhor. Pelo menos é esta a minha visão de hoje. Deve ser a idade!

domingo, 7 de dezembro de 2008

A impopularidade dos jornais

A edição da Folha de 6 de dezembro está por demais risível. O jornal faz malabarismos para tentar justificar o recorde de aprovação ao governo Lula: um de seus editoriais, colunistas da página dois e intelectuais ouvidos pelo diário foram unânimes em dizer que o excelente resultado do presidente se deve ao fato de a crise econômica internacional ainda não ter batido com toda a sua força aqui no Brasil. De algum modo, acrescentaram eles, Lula também está sendo hábil em “vender” a idéia de que a crise não terá maiores efeitos por aqui e que o país está pronto para enfrentá-la na dimensão que ela se apresentar.

Se os editorialistas, colunistas e intelectuais estão certos nas suas assertivas, forçoso é concluir que a Folha – e de resto toda a imprensa – está perdendo a guerra de comunicação para o presidente. Os que lêem os jornais certamente que teriam todos os motivos do mundo para estar em pânico com a crise, haja vista o reiterado terrorismo praticado todo santo dia acerca dela. No entanto, as pessoas parecem não estar tão aterrorizadas assim, ou, se estão, não devem estar responsabilizando o presidente pelos maus bocados que talvez se avizinhem.

Aliás, é interessante a leitura que todos parecem fazer da popularidade de Lula. É como se ela estivesse fora dele. Hoje a popularidade está em alta porque a economia ainda vai relativamente bem. Amanhã, prognosticam eles, ela deve despencar porque alguns dados tendem a se deteriorar. Mas, de acordo com todas as análises, a culpa não será de Lula e de seu governo, e sim da crise que teve seu início lá fora, especialmente nos países centrais. Tudo isso bem explicado, mesmo aquele que sofrer com os desdobramentos do “tsunami” – ou da “marolinha” – poderá ainda ficar na “lua-de-mel” com o presidente, pois não será dele a responsabilidade pela “dor de barriga” que tendemos a sofrer em 2009.

E o pior de tudo - para a imprensa - é que desta vez eles não podem dizer, ou estimular outros a dizerem, que a popularidade do presidente se segura nos pobres beneficiários de programas sociais ou nos pouco escolarizados desinformados. Nesta oportunidade, Lula é considerado ótimo e bom também pela maioria dos mais ricos e com maior nível de instrução, inclusive do Sul e Sudeste.

A situação é complicada: nem a classe média alta nem a famosa "zelite" parecem levar a imprensa a sério! Daí talvez a quase indisfarçável torcida para que a marolinha seja mesmo um tsunami daqueles. Quem sabe depois de milhões desempregados, com deterioração dos salários, crise social e tudo mais, esse povinho passa a acreditar mais nos nossos bem-intencionados donos de jornais e nos seus colunistas casados com gente ligada ao PSDB?!

Sinceramente, amigos, estou pouco ligando para a popularidade de Lula. Ela estando nas alturas ou caindo abaixo do chão, o que eu realmente gostaria é que a crise realmente não abatesse muito o Brasil e que o país de fato conseguisse, como vem dizendo não o presidente Lula mas organismos como a OCDE, passar por ela de forma muito mais tranqüila do que certamente ocorrerá - e em alguns casos já vem ocorrendo - com outras nações.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Deixa o homem voar!

Causou um pouco de mal-estar o uso de jatinhos particulares por parte de executivos de montadoras que se dirigiam ao Congresso americano em busca de ajuda para as grandes corporações do setor. A utilização de tão refinado meio de transporte, exatamente para pedir auxílio num momento de crise, causou indignação por parte dos congressistas e de nomes da imprensa do país.

Pura hipocrisia.

Há pouco tempo atrás, o modus vivendi dos mesmos executivos era motivo de bajulação e era tido como exemplo a ser seguido ou, melhor dizendo, como uma espécie de conquista a ser por todos almejada. Só para registrar, a rede CNN, de onde obtive a notícia, conta na sua grade com programas especializados em exaltar o opulento e exibicionista modo de vida de altos funcionários de megacorporações, tais quais o Agenda Ejecutiva (na CNN en Español) e os apresentados por Richard Quest, na International. E o Congresso dos Estados Unidos, por sua vez, nunca se importou em ser um antro de lobistas dos mais diversos interesses corporativos do país: como será que eles acham que aqueles distintos senhores sempre chegaram lá?

Mas os tempos são outros, podem alegar os congressistas e jornalistas, novos críticos do comportamento dos representantes das montadoras. Tudo bem, mas ninguém nega que, mesmo quando a bolha não dava sinais de que iria estourar e a onda de crescimento generalizado parecia não ter fim, a farra de executivos era desproporcional ao modo de vida mais, digamos, frugal da maioria dos trabalhadores de suas indústrias. Mas antes da tal crise, seria difícil imaginar um congressista ou um jornalista de qualquer lugar do mundo chocando-se com o grande empresário ou com o alto funcionário que chegasse de helicóptero à planta que administra enquanto o funcionário da linha de montagem tivesse que pegar dois ônibus, enfrentar o estresse do trânsito e ter algo do salário descontado por atrasos pelos quais não teve culpa.

Mas o clima do momento, talvez, seja o de salvar o próprio capitalismo. Se se resgatam as idéias de Keynes e de Marx, é porque se está realmente acreditando que o sistema permitiu abusos que lhe tiram a credibilidade. Daí a necessidade do apelo à simbologia que poderia vir contida numa forma mais humilde, mais franciscana de se pedir ajuda, o que não teria sido observado pelos altos executivos das montadoras em crise.

Jornalistas e congressistas americanos talvez queiram resgatar a essência que muitos acreditam estar na origem do sistema, tais como a industriosidade e poupança de que falava Max Weber, ou no bem comum a que se pode chegar na busca honesta pelo próprio interesse, como diria Adam Smith. Mas a grande verdade é que o capitalismo chegou a um ponto em que, para sua sobrevivência, ele precisa também do exagero, da opulência, das aparências, do desperdício. Os jatinhos particulares, os helicópteros, as limusines etc. são partes da engrenagem. A roda tem que girar.

Capitalismo de sandálias nesta altura do campeonato, senhores? Agora não!