sábado, 24 de janeiro de 2009

O preconceito venceu o jornalismo (uma inconfidência)

Transcrevo mensagem que encaminhei ao ombudsman da Folha de São Paulo um dia após à cerimônia de posse do presidente Barack Obama:

Antes de mais, já digo que não li a íntegra da Folha de hoje. Apenas acompanhei, como faço todos os dias, a sua primeira página e fiquei chocado com o fato de o jornal não ter lembrado que a frase do presidente Obama, de que "a esperança superou o medo", remete ao que disse o presidente Lula na sua posse de 2003. Então quer dizer que um dos principais presidentes dos Estados Unidos em todos os tempos, na cerimônia de posse mais concorrida da história, diz uma frase que praticamente repete o que foi dito por um colega brasileiro, e a Folha simplesmente finge que não percebeu?

Talvez o senhor, os editores e redatores do jornal achem que isso realmente não seja importante. Talvez não seja mesmo. Mas reparo que o diário
Agora, da mesma "família Folha", deu manchete principal para o quase-repeteco do que fora dito pelo presidente do Brasil. Estranho que seja importante para o "popular" Agora, e não o seja para a "refinada" Folha.

O senhor arriscaria uma explicação?


Pois bem. O ombudsman Carlos Eduardo Lins da Silva gentilmente me retornou, informando-me que encaminhara a minha mensagem aos jornalistas responsáveis pela seção "Mundo" do jornal.

Mas não parou nisso - e é aí que vem a inconfidência, já que tomarei a liberdade de expor mensagem que me foi passada em caráter particular. O ombudsman acrescentou que, de sua parte, achava que a formulação de esperança versus medo é relativamente banal no discurso político eleitoral pelo mundo todo. Disse ele: "No passado recente, que me lembre, foi mote – além de Lula e Obama – de Tony Blair na campanha de 1997, Bill Clinton na campanha presidencial de 1992, Deval Patrick na campanha para governador de Massachusetts em 2006, entre muitos outros."

Como de praxe, agradeci o amável retorno, mas repliquei, ainda que de forma um tanto tacanha:

É... Pode ser. Mas não pareceu banal para o Agora, do grupo Folha, a frase ser muito parecida com a que foi dita por Lula. E o fato de ela ter sido proferida por outros estadistas não tira a importância de ter sido dita também pelo presidente do Brasil. Aliás, para os brasileiros - leitores da Folha ou não - tem mais importância o fato de ter sido encampada com bastante sucesso pelo presidente Lula do que ter sido utilizada também por Blair, Clinton e outros.

Tinha me dado por satisfeito com a solução do ombudsman, ainda que continuasse achando que era obrigação não apenas da Folha, mas de todos os jornais, ter lembrado que Obama disse frase que, em nosso nível nacional, foi emplacada com mestria pelo presidente Lula - inclusive porque foi um belo jogo de palavras com a ridícula situação protagonizada pela atriz Regina Duarte em 2002. Mas para minha surpresa, poucas horas depois recebo mensagem de Carlos Eduardo Lins da Silva, retransmitindo-me a resposta da editora do caderno "Mundo". (E aí os senhores têm mais inconfidências): "O leitor tem razão na queixa, o correspondente que fez a matéria até pediu que acrescentássemos a informação aqui, e na correria acabamos esquecendo.
Mas é bom lembrar que o uso por Barack Obama da mesma frase usada pelo presidente Lula em 2002 já havia acontecido na campanha. Então não era a novidade do discurso que ele fez ontem."

Pois é. A despeito da prodigiosa memória do ombudsman, e apesar da sua relativização da importância do caso, a editora reconheceu que o fato por mim apresentado mereceria melhor tratamento por parte do jornal, não obstante a ressalva de que o presidente americano já a usara em campanha.

A resposta foi dada. De todo modo, fica uma dúvida: será que, se Obama tivesse repetido alguma frase dita por FHC, os editores da Folha - ou de qualquer outro grande jornal - teriam esquecido ou teriam se deixado engolir pela correria de fechamento de tão importante edição?

Nenhum comentário: