quinta-feira, 9 de abril de 2009

É proibido raciocinar!

As enquetes, tão comuns na internet, não merecem ser levadas muito a sério, especialmente por serem destituídas de caráter científico. Mas se é que elas servem para alguma coisa, seria por dar alguma indicação de onde anda a cabeça do leitor de determinado órgão. Por exemplo: em sondagem acerca do segundo turno à sucessão para a prefeitura de São Paulo em 2008, a Folha Online perguntou aos seus leitores em quem votariam. Lembro-me que em dada altura Kassab batia nos 80%, o que dava a única certeza de que os freqüentadores daquela página eram em sua maioria esmagadora simpatizantes do político do DEM ou, o que não é de se descartar, antipáticos à sua adversária, a petista Marta Suplicy. Como se sabe, o prefeito se reelegeu com boa margem, mas sem atingir a extraordinária marca do site do jornal paulistano.

A mesma Folha Online aparece agora com uma enquete sobre projeto de lei que proíbe cigarros em quase todos os ambientes fechados públicos ou particulares no estado de São Paulo. O resultado (às 17h11 do dia 9 de abril de 2009) é de 78% favoráveis à medida, 20% contrários e de apenas 1% de usuários do sítio que ainda não têm opinião formada. Levando em conta o aspecto – como já mencionado – não-científico da consulta, o que se pode deduzir de tudo isso?

Tenho uma fantasia: os 78% favoráveis são, em sua maioria, seguidores radicais do governador José Serra, do tipo que não vão dar o braço a torcer, sendo muitos deles, inclusive, fumantes inveterados que não pretendem respeitar a lei; a maioria dos 20% contrários é anti-serrista, daqueles que se oporão a tudo o que o governador fizer, mesmo que sejam antitabagistas desde criancinha e velhos pregadores dos males provocados pelo fumo; já os gatos pingados que formam o mísero 1% que ainda analisam o caso devem ser aqueles que vêem méritos na nova regra, mas são céticos quanto à sua aplicabilidade e incertos de que ela não seja um exagero, haja vista as possibilidades práticas de se resolver o problema, sem mexer com o direito dos que querem se matar com o cigarro.

Dentre as tais soluções práticas estão as famosas áreas reservadas a fumantes, existentes na maioria dos ambientes fechados públicos e particulares. Que cada um pense no seu local de trabalho, por exemplo, e veja se a existência das áreas reservadas não funciona. Ah, não funciona? Bem, nesse caso talvez falte organização e pressão no local para fazer cumprir a regra, e, pior ainda, talvez isso seja indicativo de que a lei, caso não haja uma fiscalização muitíssimo rigorosa, será mais uma do tipo que não vai pegar.

Mas, a exemplo da obrigatoriedade do cinto de segurança, imaginemos que quase todos resolvam cumprir tal lei. Isso deve fazer muita gente diminuir o consumo, trazendo efeitos para lá de positivos na saúde, ajudando até mesmo o saturado sistema público, o qual precisa despender muito dinheiro e energia para tratar doenças ligadas ao uso do cigarro. Nesse caso, a medida que tanto agride a boa consciência liberal, será tida como vitoriosa.

Resultado: a “turma do 1%” por enquanto está certa, o que quer dizer que são os únicos que ainda raciocinam sobre a medida.

Aproveitemos o ensejo para fazer um comentário retardatário, meio que a título de um post scriptum, mas que nos traz uma luz acerca da já comentada dificuldade de se fazer cumprir e fiscalizar lei tão rigorosa. Há algum tempo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acendeu sua cigarrilha durante entrevista no Palácio do Planalto. Naquela feita, um repórter o lembrou de que o fumo era proibido por decreto naquela casa. O presidente não perdeu tempo, dizendo que somente ele mandava na sala dele. À exceção de ótimo texto de Luiz Weis no Observatório da Imprensa, o assunto não teve muita repercussão (aliás, uma curiosidade, quando Lula não fala besteira, como na história do “branco de olhos azuis”, todo mundo cai matando; quando realmente dá uma bola fora, como no caso do descumprimento de regra a todos – ou aos outros – imposta, quase ninguém liga!). A “insubordinação” de Lula a um decreto em seu local de trabalho de certo modo é indicativo de que, em muitos outros “menos nobres” locais de trabalho, a tal lei paulista que bane cigarros não venha a ser seguida muito à risca.

Vamos aguardar. Por enquanto, eu sou 1%!

Nenhum comentário: