domingo, 30 de agosto de 2009

Don Junior, Seu Conjunto e Seu Sax Maravilhoso - Sambas (1962)

Ano de 1962. A bossa que havia explodido com João Gilberto no final dos anos 1950 já estava razoavelmente consolidada e ganhava o mundo. No Rio e em São Paulo começavam a pulular os grupos de bossa instrumental ou, como preferiam alguns, samba-jazz.

Era bastante comum naquela época artistas se reunirem para gravar um único álbum, posteriormente lançarem-se em carreira solo ou unirem-se a outros grupos. Foi o que se viu nesse caso de Don Junior, Seu Conjunto e Seu Sax Maravilhoso, cujo álbum Sambas foi lançado pelo selo paulistano RGE naquele ano de 1962. O trabalho é mais “bossanovístico” do que jazzístico, soando bem carioca a despeito de o grupo ter se formado em São Paulo.

Don Junior é ninguém menos do que o argentino Hector Costita, aqui tocando o “seu sax” suavemente à Stan Getz, estilo de que logo se afastaria, tornando-se mais áspero nos seus trabalhos posteriores, já como Costita. Os músicos que o acompanham são de primeira linha, alguns deles de importância histórica no gênero: Walter Wanderley (órgão), Milton Banana (bateria), Olmir Stocker (guitarra), Edgar Gianolo (guitarra), Xu Viana (baixo) e Rogério (pandeiro).

Confira abaixo um pouco da bossa instrumental de Don Junior, Seu Conjunto e Seu Sax Maravilhoso: “Quem Quiser Encontrar Amor” (Geraldo Vandré – Carlos Lyra) e “Chorou, Chorou” (Luís Antonio). A ilustração é a capa do álbum Sambas, de 1962, produzida por Patrício Marre.

sábado, 29 de agosto de 2009

Novos Baianos - Acabou Chorare (1972)

Se há algo de que os artistas musicais brasileiros não devem sofrer é baixa auto-estima. Não há em absoluto motivos para isso. É grande a lista de mediocridades que conseguem a proeza de ser, a um só tempo, sucesso de público e crítica: de Raul Seixas a Legião Urbana, de Caetano Veloso a Marisa Monte, passando por Ana Carolina, Jairzinho Oliveira e inúmeros outros.

Os Novos Baianos merecem estar na lista. O seu Acabou Chorare é um disco na melhor das hipóteses sofrível, mas, não muito raramente, é apontado como um dos grandes álbuns brasileiros de todos os tempos. Clamoroso exagero!

Há, todavia, que se dar um desconto ao velho tempo, crudelíssimo para os dois principais integrantes do grupo, Moraes Moreira e Baby Consuelo (Baby do Brasil). As carreiras solo erráticas de ambos não permitem uma distanciada boa vontade com o trabalho ora comentado. Fazemos tal ressalva em nome da honestidade, para que o leitor saiba que - a exemplo do que ocorre com a maioria das boas críticas musicais - há muita idiossincrasia também nesta rasteiríssima análise.

Acabou Chorare, o disco, e os Novos Baianos, a banda, têm inegável importância histórica e cultural: o álbum é parte do rescaldo da tropicália, com a sua mistura de rock, samba, velha guarda, folclore; e o grupo apegava-se à idéia de comunidade, vida conforme a natureza, paz e amor, algo meio hippie enfim. Desse modo, disco e banda estavam bem antenados com o espírito dos anos 1970.

O fato de a maioria das canções ser entoada ora por Baby ora por Moraes atrapalha sobremaneira a fruição do trabalho, sendo recomendado somente para os fãs de carteirinha de ambos os vocalistas. Infelizmente, as entoadas por Paulinho Boca de Cantor também não ajudam, principalmente por ter ele um timbre de voz que faz lembrar o irritante “Caê”, já devidamente “homenageado” nesta resenha.

Não fossem estes detalhes, e o álbum seria um pouco mais aprazível. Lamentavelmente, tais “detalhes” representam mais de 90% do disco...!

Ouça trecho de "Um Bilhete Pra Didi", de Jorginho Gomes, talvez o melhor momento do álbum de 1972. Sintomaticamente, uma canção instrumental!

sábado, 22 de agosto de 2009

"Crise no PT": afinal, o que a imprensa quer?

É de causar surpresa a preocupação da mídia com o suposto racha anunciado no PT e, de resto, com toda a crise que estaria instalada no partido.

Inicialmente, é estranho porque, pelo menos nos últimos anos, o império midiático tem parecido querer mais é ver mesmo o Partido dos Trabalhadores escorraçado do quadro político brasileiro, ou seja, a débâcle petista poderia ser vista como nada mais do que a realização do inconfessável (mas não inconfessado!) sonho da meia dúzia que domina a grande mídia corporativa no Brasil.

Mas a situação não é a princípio tão simples. Lembre-se de que se fazia abertamente, aqui e ali, o vaticínio da morte do partido no auge da crise do mensalão, em 2005 (o demista Jorge Bornhausen chegou a falar de “acabar com a raça”, referindo-se ao PT). Nas eleições do ano seguinte, porém, viu-se o partido renascer fortalecido da crise que o abatera.

A imprensa tem tentado mostrar, por conta da crise no Senado, um Partido dos Trabalhadores hesitante, preso a bandeiras históricas, mas que se viu obrigado a tomar decisões polêmicas, como o arquivamento das denúncias contra José Sarney no Conselho de Ética, não por convicção, mas por ordem direta do seu principal quadro, nada menos do que o presidente da República. A mídia parece estar querendo mandar um recado: o problema não é tanto o PT, mas o velho Lula in person.

Pelo jeito, derrubar a popularidade do presidente é questão de honra para o assim chamado PiG (copyright PHA!). Para tanto, vale até insinuar que o Partido dos Trabalhadores é vítima do arbítrio presidencial. No que se refere à queda de popularidade de Lula, é preciso, no entanto, combinar com o adversário!

A velha mídia precisava ter em mente o fato de que, em verdade, sempre foi comum explorar o discurso contrário no Brasil: falava-se mal do PT em geral enquanto se preservava a figura de Lula. Quem não se lembra de frases como “o Lula é bacana, pessoa decente, o que estraga é o partido", "ele pode até ser bem-intencionado, mas o partido não iria deixar ele fazer nada"?

É lógico que estava expresso em tais tipos de assertiva, ainda que inconscientemente, um arraigado preconceito intelectual e de classes contra o ex-metalúrgico: ao dissociá-lo do “horror” representado pelo partido, o que no fundo se queria dizer era que ele não tinha voz, era um simples marionete de pessoas mais “inteligentes” e bem articuladas que, de fato, controlavam a estrutura partidária. Era, muito provavelmente, a versão light, simpática, da idéia de que Luiz Inácio Lula da Silva seria já (ou principalmente) naqueles tempos um néscio.

Agora, de uma hora para outra, tentam, ao contrário, nos convencer de que, em verdade, o PT - coitadinho! - ainda tem gente boa, mas o malvado Lula não deixa o partido tomar as decisões corretas de que tanto gostaria. A marionete, de repente, transforma-se num deus ex-machina, pegando toda uma bancada de calças curtas, deixando-a perdida, sem saber o que fazer, ou o que é pior, levando-a a tomar decisões que se opõem aos justos anseios da sociedade brasileira. Assim como naquelas ficções científicas em que máquinas passam a destruir seus criadores, O outrora teleguiado presidente da República deixa de lado aquela figura passiva, cordial, manipulável, para ser o controlador, dominador, dono do partido. “Se o PT não presta, a culpa é do Lula”, eis o que querem que pensemos agora.

É a velha história, tão cara à Folha, de se contar mentiras dizendo só a verdade. Com efeito, a liderança e a ascendência que Lula pode ter – ou efetivamente tem – sobre o partido não devem ser motivo de surpresa. Ao contrário, em verdade é natural que as tenha. Isso obriga a concluir que de fato o PT pode ser "levado na conversa" pelo presidente mais prestigiado da história do país. Mas, com certeza, não é disso que se trata. O ponto-chave, em realidade, está no fato de que, durante anos, pretendeu-se boicotar o "eterno" candidato Lula, afirmando que o problema não seria ele, figura fraca, inábil e sem capacidade de liderança, mas os seus malucos correligionários, estes, sim, a grande ameaça que pairaria num eventual governo do ex-operário. Mas, afinal, o PT é um antro de bichos-papões, ou é um grupo de crianças implorando por tutela? Lula é um bocó, ou é um príncipe maquiavélico? Citando Otto Glória, "ou é bestial ou é uma besta"!

Perguntinhas: até quando persistirão as incoerências da imprensa? Até quando eles vão continuar achando que somos idiotas?

domingo, 16 de agosto de 2009

Quem te viu, quem PV

Marina Silva talvez dispute mesmo a presidência em 2010 pelo Partido Verde (PV).

Marina é realmente uma mulher preocupada com a causa ambiental. Desse modo, pensam alguns, talvez ela acerte em trocar o PT pelos verdes. Bastante coerente.

É coerente, mas não é tão simples.

No alto de minha humildade, se pudesse, sugeriria a ela que, antes de ingressar no partido de Gabeira, procurasse fazer visitas aos diretórios regionais da agremiação nalgumas cidades. Seria bacana ver com quem eles estão aliados, de que forma atuam nas câmaras municipais, como agem seus militantes, qual é o nível de preocupação ecológica de seus filiados.

Ela poderia iniciar suas pesquisas em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, por exemplo. O ideal seria visitar alguns “verdes” da cidade, procurar ver os cuidados que eles pessoalmente tomam com o meio ambiente, como se comportaram nas últimas eleições, se trabalharam na administração pública, quais as suas relações com os políticos locais, qual o seu grau de comprometimento com o partido e com as causas que abraça.

Como forma de saber o que pode esperar, talvez fosse recomendável para Marina ver também qual é o comportamento dos militantes de outros partidos igualmente menores daquela cidade. Seria importante visitar algumas pessoas que integravam, por exemplo, o PSB em 2002. Naquele ano, o Partido Socialista Brasileiro contava com o ex-governador fluminense Garotinho como candidato à presidência da República. O partido, que era do vice-prefeito de São Bernardo, via muitos de seus integrantes trabalharem na administração municipal. Seria interessante que Marina verificasse se eles realmente, no dia-a-dia, demonstravam entusiasmo pelo candidato de seu partido, ou se, por acaso, não faziam pregação diuturna para o então candidato José Serra, do PSDB. O comportamento deles decerto que daria uma boa pista de como as bases do PV tenderiam a trabalhar em algumas cidades, nas eleições de 2010.

Pelo menos duas das revistas semanais oferecem capa a Marina Silva, dando a entender que ela pode mexer na sucessão e que isto seria, inclusive, benfazejo por trazer algum arejamento a um tipo de disputa que vem sendo monopolizada por petistas e tucanos desde 1994.

Entendemos, porém, que a pendenga centrada em dois partidos não é, em princípio, algo tão deplorável assim, vide os Estados Unidos. Ademais, seja lá como for, o PT e o PSDB até que são, aos trancos e barrancos, partidos que comportam alguma unidade. Imagino que não se verá, em 2010, o PT de qualquer rincão do país não apoiando a candidata Dilma – e isso mesmo que tal diretório prefira a própria Marina Silva; de igual modo, o PSDB, mesmo um diretoriozinho de alguma cidade mineira, não deixaria de apoiar o candidato Serra, ainda que houvesse alguma decepção por ter sonhado com a candidatura Aécio.

Em resumo, este blog não confia na coesão partidária do PV. Acreditamos que em diversas cidades (citamos São Bernardo, mas poderia ser qualquer outra do estado de São Paulo), o partido, mesmo com candidatura própria, por debaixo dos panos, trabalhará por Serra. É assim que funciona a política hodierna no Brasil: no fundo, agremiações menores se sentem mais à vontade quando estão à sombra de um partido com características mais hegemônicas. As pessoas que a elas estão filiadas, sobretudo quando não nas grandes capitais (às vezes mesmo nelas), estão mais preocupadas com projetos pessoais, normalmente desligados de eventuais ideologias partidárias.

No que se refere à supracitada subserviência, uma exceção importante foi o caso de Kassab em São Paulo. O que se viu foi justamente o PSDB, nos seus subterrâneos, rendendo-se ao aliado mais fraco, o DEM. O cristianizado Geraldo Alckmin sabe muito bem do que estamos falando. Embora excepcional, esse episódio ajuda, de algum modo, a reforçar o temor que temos com o que poderia ocorrer com Marina: se um partido forte e grande como o PSDB, de forma pragmática, teve coragem de impingir tal humilhação a um ex-governador de São Paulo, por que o PV não exporia a tal ridículo uma ex-ministra petista, oportunistamente filiada na última hora?

E tem mais, há o efeito imprensa, problema que a ecologista poderia enfrentar se - assim como acreditam alguns analistas – conseguir tirar alguns votinhos do candidato tucano. Fica para um próximo post.

MST (Movimento dos Sem Trânsito)

Nesta semana, o MST realizou protestos em várias partes do país.

A marcha cometida em São Paulo provocou a ira do pessoal da Band.

Por dois dias seguidos, o canal BandNews destacou a confusão que as manifestações do MST teriam causado no trânsito de São Paulo.

Nas reportagens, foi dado destaque ao fato de que a marcha atrapalhava o acesso a hospitais. Alguns motoristas entrevistados pela emissora corroboravam a preocupação com a necessidade de se ter caminho livre para as casas de saúde da cidade.

É uma verdadeira pilhéria!

Todos sabem muito bem que o trânsito da capital paulista já é caótico todos os dias, com ou sem manifestações. É sabido também que as áreas que concentram hospitais não raro possuem tráfego intenso de veículos, o que é elemento dificultador para a chegada das ambulâncias ou de parentes que vão fazer visitas. A mídia superestima muito a burrice do telespectador quando sugere que ele é incapaz de observar trivialidades, como, por exemplo, essa de que o trânsito paulistano é horroroso em quaisquer circunstâncias. Ou será que eles acreditam que o idiota que está do outro lado vai achar que só há congestionamentos em São Paulo quando há manifestações de trabalhadores?

Com efeito, é cena comum na Avenida Paulista, por exemplo, ouvir o “grito” intermitente de sirenes de ambulância tentando, sem grande sucesso, furar o bloqueio de centenas de veículos particulares parados no trânsito, veículos estes que, em mais de 90% dos casos, carregam apenas o seu condutor.

A “satanização” dos movimentos sociais já é uma velha conhecida de todos que acompanham a mídia brasileira. E nada melhor do que usar algum apelo “sentimentalóide” para tentar desqualificar as manifestações de grupos organizados. É claro que demonstrar preocupação com vias livres para se ter acesso a hospitais passa a imagem de que não se está querendo criminalizar o movimento, mas sim que se está, em última análise, defendendo uma espécie de preocupação humanitária com quem precisa usar os serviços de saúde. Me engana...

Mas qual seria, amigo leitor, o impacto de reportagens do tipo, se mostrassem algum caso de pessoas que ficaram sem atendimento médico por não ter conseguido chegar a hospitais não por culpa do MST, mas sim em virtude de não ter podido, num dia qualquer, abrir, como por milagre, o caminho tomado por veículos particulares de um único ocupante?

Interessante observar que os motoristas entrevistados repetiam a mesma preocupação, falando mais ou menos assim: “o problema não é me atrapalhar, mas é atrapalhar aqueles que precisam ir para os hospitais”. É muita cara-de-pau! É de se presumir que os que realmente estejam preocupados com isso talvez usem menos o automóvel, para não atrapalhar o trânsito, e, especialmente, evitem trajetos que devam ser usados preferencialmente como acesso a hospitais. Aparentemente, não era o caso daqueles que foram entrevistados!

Despertou curiosidade também o distanciamento com que falavam dos manifestantes. Os integrantes do MST eram os “eles” (“eles” isso, “eles” aquilo, "se 'eles' querem tal coisa..."). Trata-se, com efeito, de uma falta de interesse e identidade com a causa, que reforça a dualidade brasileira tão bem trabalhada por teóricos das ciências sociais sobretudo a partir dos anos 1950. De fato, não seria absurdo, para descrever a mencionada falta de solidariedade, abusar de clichês como o dos “dois brasis”, “arcaico x moderno”, “agrário x industrial”, “atrasado x dinâmico”, e por aí vai. O pensamento da turminha da Band e dos motoristas paulistanos é o do que “eu não tenho nada a ver com a causa desses caras, por que tenho que pagar o pato?”.

De fato, o Brasil dos sem-terra não parece ser o mesmo da São Paulo tomada de carros. São outras as preocupações e anseios de São Paulo, cidade onde tudo é de pedra, inclusive os corações. Apesar de que os corações até que dão uma amolecida às vezes, principalmente quando algum malvado atrapalha a chegada aos hospitais!

domingo, 9 de agosto de 2009

Moralistas, pero no éticos

José Sarney vem conseguindo se dar bem no Conselho de Ética do Senado Federal, a despeito do bombardeio midiático que sofre diuturamente há alguns bons meses.

Se este blogueiro não comete erros teóricos muito sérios, a ética diz respeito a valores tido como mais ou menos amplos, mas afeitos a uma comunidade, sendo, desse modo, mais voltados a preocupações gerais de conduta dentro de um grupo ou de uma instituição. Neste sentido se diferencia um pouco da moral, a qual tem a pretensão de ser universal, tendo que ser observado por cada em indivíduo e em qualquer lugar e circunstância. Isso, é claro, bem grosso modo, e certamente não de maneira muito consensual. Discussão que, por óbvio, não pode ser encampada aqui.

De todo modo, no imbróglio que ora se verifica na Câmara Alta brasileira, não se tem visto entre a maioria de seus analistas muita preocupação com a ética, pelo menos não no sentido que expusemos acima. A questão tampouco se apresenta dissecada sob o ponto de vista genuinamente moral. Tem-se, isto sim, uma onda meramente "moralista", o que é algo diverso.

A questão é bem simples. No fundo, todos sabem que os desmandos não apenas no Senado Federal, mas em muitos órgãos da República, provêm desde há muito. Sabe-se também que José Sarney tem uma longa folha corrida de “desserviços” prestados ao país e ao seu estado natal. Porém, vê-se uma repentina (e bota repentina nisso!) perseguição ao presidente daquela Casa, enquanto se faz pouquíssimo caso dos males provocados por outros senadores, em especial os da oposição, além de não haver uma autocrítica daqueles que foram no mínimo indiferentes ao senador pelo Amapá nestes anos todos de sua longa vida política.

Justiça seja feita, um pouco de preocupação verdadeiramente ética nesse caso foi percebido no comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e no escritor Carlos Heitor Cony. Todos eles reconhecem que há sérios problemas no Senado Federal, mas obtemperam a necessidade de não se “demonizar” ninguém de forma particular, tendo em vista que os vícios por lá são antigos, resvalam em várias legislaturas e sujam um montão de gente de todos os partidos. Há que se resolver os problemas gerais da Casa, dizem eles. E o primeiro passo é justamente reconhecer que os problemas são antigos e generalizados. Simples, portanto.

O mais curioso dessa história é que alguns colunistas afoitos andam soltando rojões por aí afirmando que pesquisas, não esclarecendo quais, apontam queda na popularidade de Lula e estagnação da eventual candidatura Dilma, isso porque estariam apoiando Sarney. Bem, conforme exposto, é desonesto afirmar que qualquer dos dois apoia Sarney. Em verdade, ambos estão realmente preocupados com os problemas estruturais históricos do Senado, o que por ma-fé midiática é apresentado como defesa de José Sarney. Seria, portanto, injusto – ainda que sintomático – que, em meio à onda moralista, os verdadeiramente éticos sejam punidos pela opinião pública! Ademais, corre à boca pequena a suspeita de fraudes em novas pesquisas do IBOPE e do Datafolha. A conferir. Aliás, por falar em ética, bem que os colunistas poderiam falar mais abertamente, dando nome e sobrenome se possível, dessas terríveis pesquisas de cujos dados eles parecem já estar sabendo.

Dois pontos para se refletir sobre o tema
A professora Yolanda Gloria Gamboa Muñoz, da PUC de São Paulo, certa feita fez interessante comentário sobre a preocupação com a ética no início deste século XXI. Ela ministrava aulas de ética nos mais diversos cursos universitários. Havia a disciplina “ética” na grade de Secretariado, Jornalismo, Medicina etc. Conjeturou ela que, se algum historiador no futuro se debruçasse sobre nossa época, poderia pensar que éramos uma geração extremamente ética. Diriam eles: “que pessoal mais ético; só falavam e pensavam em ética”. Seria um erro, disse ela. Em verdade, somente se fala e se debate muito sobre ética justamente porque falta ética. O corolário da exposição dela é a de que as comunidades tendem a se preocupar muito justamente com aquilo que não possuem. Com a palavra, os colunistas demagogos de nossos jornais!

Outro ponto: para escrever o presente post, quis dar uma conferida no que dizia Norberto Bobbio sobre “ética” e “moral” no seu famoso Dicionário de política, com o intuito de não escorregar nos conceitos. Pois bem, amigos. Pelo menos na 11ª edição, lançada pela Editora UnB, em 1998, os verbetes "ética" e "moral" simplesmente não existem! Pode ser problema da edição brasileira, embora não haja qualquer informação de que ela esteja incompleta. Pelo jeito, o grande intelectual italiano não considerou tais assuntos tão importantes assim, pelo menos não a ponto de os incluir como verbetes no seu maravilhoso dicionário. Bem, como diriam os maiores filósofos da história, “mas, enfim...”!

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sábado, 8 de agosto de 2009

Marina, faça tudo, mas faça o favor!

Na corrida presidencial de 2006, causava infinitos risos ver as reacionariíssimas elite e classe média, sobretudo as paulistanas, derretendo-se em elogios à "revolucionariíssima" Heloísa Helena. Ficavam engraçadíssimas algumas frases saídas de algumas das bocas mais direitistas de São Paulo: "eu gosto do jeitão dela; ela é bem firme, bastante séria", "mulher de fibra, coerente, inteligente", "falta-lhe um pouco de experiência, mas tirando isso...", bla bla bla bla bla...

Apesar de todo o respeito angariado junto ao exigente eleitor médio paulistano, a moça do PSOL teve que engolir o fato de ele, na hora "h", digitar o número que computava votos ao ex-governador Geraldo Alckmin. Normalíssimo! Era, com efeito, pouco compreensível que gente tão conservadora tivesse tanta simpatia por uma "amalucada radical de esquerda" - muito embora em alguns temas, como, por exemplo, o aborto, a nossa Heloísa Helena esteja mais à direita do que a Liga das Senhoras Católicas!

Na verdade, os "quatrocentões", ex-malufistas, demo-tucanos e frequentadores da Daslu apenas faziam um ou outro afago na alagoana porque sabiam que ela tirava votos do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Sabiam que a "comunistinha doidinha comedora de criancinhas" não tinha chance nenhuma, por isso lhe davam corda. Se por acaso a velha e boa fortuna conspirasse de modo a provocar uma incrível "zebra", colocando a ex-senadora com chances reais de vitória, não há dúvida de que as frases acima expostas viriam noutro tom, acrescentando, ainda, boa dose de desprezo, em especial às origens nordestinas e esquerdistas da mais famosa dissidente do Partido dos Trabalhadores.

Mas pode ser que a direita paulistana volte, dentro em breve, a ter bons motivos para se divertir à custa de incautos, ou melhor, incautas. Eis que neste ano da graça de 2009 corre o boato de que a ex-ministra Marina Silva talvez se filie ao Partido Verde e dispute a presidência da República em 2010. Por conta disso, o que só se veem na imprensa e em certos comentários de blogues são elogios - vindos de gente suspeitíssima - ao trabalho e ao caráter da senadora do PT. Pois bem. A história, amigo leitor, pode se repetir, e desta vez não vai dar para citar o velho Marx dizendo que se repete como farsa, pois na versão anterior, conforme prenunciado, já era uma tremenda farsa!

Ao postular a cadeira de Lula, a senadora Marina Silva está, em verdade, dando sobrevida à candidatura de Serra, que, segundo alguns bem informados escribas da mídia, chegou a dar uma balançada. Motivo pelo qual o ego dela precisa ser devidamente inflado. A idéia, bastante razoável, é a de que Marina subtraia muitos votos da ministra Dilma Rousseff, fundamental numa eleição que deve ter pouquíssimos candidatos.

Bom lembrar que o Ministério do Meio Ambiente, sob o comando de Marina, foi por diversas vezes acusado de atravancar o desenvolvimento do país, sendo não raro responsabilizado pelo "crescimento maior apenas do que o do Haiti nas Américas". Tal reprovação aparecia em colunas, editoriais e nas sempre abalizadas opiniões de empresários. Mas tudo isso parece fazer parte do passado. Agora, para muitos deles, Marina é a pobre injustiçada de Lula, uma mulher que pretendia trabalhar mas foi impedida, figura realmente preocupada com questão da mais capital importância para nós, bla bla bla bla!!!

É de morrer de rir, novamente! Resta saber se Marina Silva será tão ingênua quanto foi Heloísa Helena para fazer o jogo da hipócrita direita brasileira, sobretudo a inscrustada na mídia, em especial a de São Paulo.

Mas aqui vai, de nossa parte, um elogio simples e respeitoso, sem mais delongas: Marina Silva é uma mulher fantástica! E este é um elogio de quem imodestamente se julga no direito de fazê-lo, pois sempre foi sincero seguidor da causa ecológica e admirador do trabalho da senadora.

Mas vai também um recado, Marina, para caso você caia na bobeira de ser joguete na mão do PSDB, do DEM e da mídia:

quando eu me zango, Marina,
não sei perdoar...

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Censurado!

E eis que o jornal O Estado de São Paulo se apresenta como vítima de censura.

O diário, no entanto, apenas está proibido, por força de decisão judicial, de divulgar informações de inquérito protegido por segredo de justiça, especialmente os áudios da chamada "operação boi barrica", envolvendo gente do chamado "clã Sarney", para usar expressão do próprio Estado. Nada os impede, todavia, de citar, criticar os - ou esculhambar com - os implicados no caso.

Muitas discussões e questionamentos podem advir do episódio: afinal, é censura ou não é? A liberdade de imprensa está acima de tudo? Se é sigiloso, tem que ser respeitado e pronto? Se era segredo, e alguém permitiu que chegasse às mãos de repórteres do jornal, que mal há em publicar?

São várias as perguntas, e todas legítimas.

Entrar no mérito de que se houve ou não censura pode proporcionar uma discussão infindável. De todo modo, há aquela máxima, tão ao gosto dos que adoram bradar pela santidade do estado de direito, que afirma: "decisão judicial não se discute, cumpre-se!"

Mas penso que uma outra indagação precisa ser feita: e agora, o que o Estadão pensa acerca da "grampolândia", do "estado policialesco", da "invasão da privacidade"?! O centenário jornal esteve entre os órgãos que mais esbravejavam com o excesso de grampos do "aparelho repressor do Estado petista". Porém, ao publicar com tanto estardalhaço gravações constrangedoras dos familiares de Sarney, há de se deduzir que mudou de opinião!

Voltando à suposta censura: tal tema vem preocupando muita gente bem-intencionada.

Como já dito, é difícil avaliar se há ou não há censura neste caso; e talvez não caiba a leigos entrar com os dois pés no mérito da questão.

O que vale mesmo é pensar noutras modalidades, bastante curiosas, de censura, pois elas parecem nascer de dentro dos próprios órgãos de imprensa. O caso Miriam Dutra, por exemplo. Estranhamente não foi necessária nenhuma decisão judicial proibindo a divulgação do caso. Os próprios jornais trataram de soterrá-lo, fazendo dele tema defesíssimo nas redações. Não foi preciso que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso perdesse seu precioso tempo recorrendo à Justiça para ter sua intimidade preservada, pois, aparentemente, os próprios donos de jornais trataram de "censurar" suas redações, seus repórteres e colunistas acerca do assunto. E não adianta falar que é porque se trata de um assunto privado, que só interessa às partes envolvidas. Ora, todos nós sabemos muito bem que a imprensa não está nem aí para isso. Além do que, FHC é figura muito importante, e Miriam Dutra era repórter da principal rede de televisão do país. Só para efeito de comparação, Renan Calheiros não contou com o mesmo beneplácito da mídia!

Poder-se-ia ir além nessa história de "autocensura". Que tal pensar na sociedade das "Verônicas", a Serra e a Dantas? Como foi tal sociedade? Ela acabou? E por quê? Vamos lá, Estadão, pode, se quiser, falar disso à vontade. A Justiça, por enquanto, não proibiu, quer dizer, "censurou"!

sábado, 1 de agosto de 2009

Duke Ellington & John Coltrane (1962)

No começo dos anos 1990, Jô Soares não era uma figura de todo insuportável. Apresentava um simpático programa de entrevistas no SBT, com a vantagem de ser ele um pouco menos afetado e, principalmente, por não abrir espaço para “meninas” tagarelas falarem bobagem.

Ele apresentava também um programa de jazz no rádio. Só apresentava mesmo. A produção e o texto ficavam a cargo de outra pessoa, mas o nosso Jô, vaidoso e cara-de-pau que só ele, não nos avisava, de modo que muitos pensavam que todo o conhecimento e o bom gosto jazzístico provinham dele mesmo!

Foi no programa radiofônico apresentado por ele que ouvi pela primeira vez, na íntegra, este importantíssimo Duke Ellington & John Coltrane. Ele havia sido lançado no Brasil à época, tanto no formato LP quanto em CD, mas sumiu das prateleiras rapidinho. O autor destas maldigitadas, portanto, vivia desde então uma longa e dolorosa espera, haja vista que não o encontrava nos sebos, tampouco conseguia pagar os preços proibitivos dos importados - isso quando aparecia...

Mas, final e felizmente, a lacuna foi preenchida! Consegui achar o CD, numa bela edição, por preço não tão extorsivo. Não quis arriscar de não levar. Vai que a gangue da FIESP, auxiliada pela mídia sem assunto, consegue pressionar o frouxo governo brasileiro, a ponto de obrigá-lo a intervir no câmbio, encarecendo, da noite para o dia, esses nossos pequenos objetos do desejo!

Exatamente no dia 17 de setembro de 1962, Duke Ellington havia participado das sessões que originariam o absolutamente clássico Money Jungle, para o selo Blue Note, ao lado da perfeita cozinha de Charlie Mingus e Max Roach. Decerto o leitor já está acostumado com nossa falta de imaginação, expressa pelo abuso de clichês; sentimos muito, mas vai mais um: aquele foi o típico encontro de mestre e discípulos. Ellington já estava, a bem dizer, na sua quarta década jazzística, mas aceitava humildemente a companhia de músicos que, embora experientes, estavam em pleno auge criativo, fazendo história no gênero. O encontro do velho e do novo (mais chavão!) proporcionou um disco denso, tradicional e vanguadista a um só tempo, ademais com um toque levemente erudito.

A menção à experiência de Money Jungle se justifica porque ela antecipa, em apenas nove dias, novo encontro genial de duas gerações. Desta feita para o selo Impulse!, o maestro se encontra com a grande sensação da época, o já cultuado John Coltrane. Mas não se trata somente de Coltrane; em verdade, Ellington, em pelo menos três faixas, se junta ao grupo do saxofonista, à época formado pelo baixista Jimmy Garrison e o baterista Elvin Jones. Na prática, é como se Coltrane fosse gravar um disco próprio, substituindo o pianista McCoy Tyner por ninguém menos que Duke Ellington. Apesar da genialidade do quarteto que deu ao mundo discos como A Love Supreme, penso que ninguém reclamaria de uma troca dessas!

Além do baixista e do baterista de Coltrane, revezam-se nas faixas o baixista Aaron Bell e o baterista Sam Woodyard, na competente produção de Bob Thiele. A propósito, muitos dos responsáveis pelas sessões de jazz, especialmente nos anos 1950 e 1960, mereceriam, em alguns casos, dividir os créditos com os artistas cujos discos produzem, tamanha a influência que têm no desenho dos álbuns.

Dentre as inúmeras qualidades do disco, há uma que não pode deixar de ser mencionada – e que se dane se ela for outro clichê! Trata-se da aparente tentativa empreendida por John Coltrane de ficar à sombra de Duke Ellington. Desnecessário dizer que o saxofonista não consegue! Isso fica muito latente na beleza atemporal do standard “In a Sentimental Mood”, quando o sopro de Coltrane tenta ser contido, mas parece se sentir convidado a “perder as estribeiras”, graças ao toque moderno, arrojado de Duke Ellington, semelhante, no mais, ao modo de tocar presente no citado Money Jungle. Mas não precisava mesmo de tanta reverência, afinal Ellington sabia com quem estava lidando. O maestro honrou o companheiro de disco com a exuberante “Take the Coltrane”, homenagem que é um belo trocadilho com a famosa “Take the A-Train”, tema clássico do repertório de Ellington, escrito por Billy Strayhorn, compositor que, aliás, aparece no disco com “My Little Brown Book”.

Por conta da coesão e da mistura perfeita de simplicidade e arrojo, talvez seja o caso de dizer que este é mais um dos – muitos – discos que podem servir para aqueles que querem se iniciar no maravilhoso – e não tão difícil como dizem – mundo do jazz. Desejo que sua espera seja menor e menos amarga do que a minha.


Ouça "Take the Coltrane", composta por Ellington. Além dos dois gênios da música do século XX, temos, na faixa, o baixista Jimmy Garrison e o baterista Elvin Jones. A gravação é de 26 de setembro de 1962. As fotos são de Bob Guiraldini.