sábado, 10 de outubro de 2009

A preterição da NOVE

Nesta semana, a imprensa noticiou a formação de um movimento estudantil, integrado por jovens de colégios de classe média do Rio: é a NOVE – Nova Organização Voluntária Estudantil. O grupo surgiu no vácuo do roubo da prova do ENEM, mas mais do que reclamar das dores de cabeça provocadas pela mal explicada história, eles se dizem, segundo reportagem do jornal O Globo (07.10.2009), preocupados com questões mais abrangentes, como, por exemplo, reformas em todo o sistema educacional brasileiro.

Mas há um pequeno problema: o grupo, a despeito de suas preocupações, tanto as pontuais quanto as mais estruturais, se declara apolítico e apartidário; de quebra, opõe-se às entidades representativas dos estudantes, como a UNE e a Ubes, justamente porque elas seriam ligadas demais a governos. Aliás, o jornal carioca alfineta, dizendo que os garotos da NOVE são “as novas caras do movimento estudantil, sem chapa-branca”.

Dizemos que é um problema por dois motivos: em primeiro lugar, fica difícil sonhar com mudanças no sistema educacional brasileiro sem fazer política. É uma questão essencialmente política e deveria, por óbvio, não ser abraçada pelos que se orgulham de ser apolíticos. Ademais, ainda que não seja fundamental estar ligado a partidos para participar de tal tipo de processo, para transformações dessa monta, faz-se, sim, necessária a atuação das agremiações partidárias, o que, em tese, esvaziaria, também, o discurso pretensamente apartidário dos meninos. Há, com efeito, muitas situações em que se dá para fazer política sem depender de partidos; não parece ser o caso de questões que envolvem mudanças profundas na educação.

Em segundo lugar, o grupo surge, de forma oportunista, num momento em que O Globo, na reportagem, chama de crise e de desorganização do ENEM. Ora, já temos na escolha desse viés um ato extremamente político por si só. Afinal, o que houve foi o roubo de uma prova por pessoas que estariam tentando ganhar dinheiro com ela. Pode até não ter havido nada de político no ato, como defendem alguns, sendo antes um mero assunto policial. A iniciativa de tratar o caso como resultado de uma suposta desorganização dos responsáveis pelo ENEM já faz dele um levante indubitavelmente político, pois tem alvo certo, a saber, o Ministério da Educação e, por consequência, o Governo Federal.

Nas minhas postagens no twitter, orgulho-me de ter brincado, espirituosamente imodesto/imodestamente espirituoso (!!!), com o estilo apolítico e apartidário dos rapazes e moças do Rio, insinuando que, justamente por assim se classificarem, eles deviam ser políticos e partidários pra caramba! Eles podem dizer que não, mas estão, inegavelmente, fazendo política da grossa.

A situação, em verdade, faz lembrar uma figura retórica chamada preterição. É usada naqueles casos em que se diz que não vai falar algo enquanto dele se fala. Por exemplo, quando se diz frase mais ou menos assim: “nem vou mencionar a sua absoluta falta de caráter”. Ora, já mencionei!

A NOVE é a mesma coisa: “não queremos saber de política”. Eles só querem mudar a educação do País, aproveitar-se das crises engendradas pela mídia, fazer passeatas contra o Ministério da Educação... Política? Que política?

3 comentários:

Érico Cordeiro disse...

Caro IendiS,
que movimento "apolítico" esse, não?
Lembra, nos meus tempos de estudante de economia, na UFMA, de um certo "Movimento pró-aula", também dito apolítico e que se contrapunha às greves de servidores e professores da universidade federal.
Esse movimento tinha por lema (implícito, por certo) - "quero meu diploma e o resto que se dane".
O mundo dá voltas e algum tempo deopois voltei à UFMA, desta feita como aluno de direito (mas, pelo menos tive a sorte de entrar em uma turma nada conservadora!!!).

pedro geraldo disse...

se você contar o número de estudantes do "movimento" na foto do Globo, vai dar mais ou menos isso mesmo, NOVE. que "movimento estudantil" representativo hein ?
e que história é essa de reclamar de adiamento de data de prova? nem parecem estudantes.
agora a cara cínica de Paulo Renato Sousa ao massacre de Mônica Waldvogel em cima da Secretária do ministério da Educação, diz muito sobre como certos "movimentos" são pensdos.

iendiS disse...

Obrigado pelos comentários, rapazes. Parabéns pela perspicácia e ironia de ambos. Abraços!