sábado, 26 de dezembro de 2009

Free Jazz, 50 anos

Neste fim de 2009, a Folha On Line destacou, oportunamente, os 50 anos do movimento musical chamado Free Jazz. Houve, todavia, uma pequena gafe: a chamada na página principal falava nos “50 anos do ‘Festival’ Free Jazz”! O jovem responsável pelas manchetes certamente pensou que a comemoração se referia ao famoso festival jazzístico realizado nos anos 1980 e 1990, no Rio e em São Paulo, e não no radical subgênero do jazz. Como consolo, vale recordar a história – não sei se verdadeira – de que o gênio Ornette Coleman, convidado a participar de uma edição do Free Jazz Festival na década de 1990, empolgou-se com o que ele pensou tratar-se de um encontro inteirinho dedicado ao gênero “free jazz”, realizado no Brasil. Até que contaram para ele acerca da famosa marca de cigarros, patrocinadora do evento!

Acertadamente, o sítio da Folha viu o ano de 1959 como fundamental para o estilo free jazz, ainda que muitos enxerguem o alicerce do gênero nalgumas interpretações atonais de Lennie Tristano, na passagem dos 1940 para os 1950. Em verdade, 1959 não foi importante somente para o free jazz, foi um ano singular para o jazz de maneira geral: ano de lançamento de Giant Steps, de John Coltrane, Kind of Blue, de Miles Davis, Mingus Ah Um, de Charlie Mingus, Time Out, de Dave Brubeck, entre outros. No caso específico do free jazz, é digna de atenção a proficuidade criativa, naquele ano, do nosso já mencionado Ornette Coleman.

Após um disco relativamente “normal” pela Contemporary, Something Else!!!!(1958), Coleman lançou, no ano seguinte, outro álbum pela gravadora, ainda no mesmo caminho, mas radicalizando nos “gritos”, "risadas" e “choros” de seu saxofone: Tomorrow is the Question. Ainda no ano de 1959, entraria duas vezes em estúdios de Hollywood, com o fim de gravar, para o selo Atlantic, as sessões que resultariam nos álbuns The Shape of Jazz to Come, lançado no mesmo ano, e Change of the Century, editado no ano seguinte. Sob essa ótica, tem-se, com efeito, que as pedras incontroversamente fundamentais do que viria a ser chamado de free jazz foram realmente assentadas há 50 anos.

Todo o atonalismo, as incontidas improvisações, a radicalização dos ensinamentos de Charlie Parker e, claro, a pura liberdade no ato de executar ganhariam timbres bem mais acentuados nos discos que seriam lançados nos anos 1960, dentre eles exatamente o famoso Free Jazz, álbum que intitularia o gênero que ora homenageamos. A capa de Free Jazz já chamava a atenção com o belo quadro “White Light”, de Jackson Pollock. Talvez esteja aí parte do que nos permite entender um pouco do processo criativo de Coleman àquela época. Veja o que ele diz acerca de suas canções, conforme contado a Gary Kramer, em texto da contracapa do disco Change of the Century:

(...). Uma é completamente diferente da outra, mas, de certa forma, não há começo nem fim para cada uma de minhas composições. Há uma continuidade de expressão, fios de pensamento que amarram todas as minhas canções. Talvez seja algo como as pinturas de Jackson Pollock.

Não se deve negligenciar parte do aspecto político, que contrapunha o novo jazz, realizado sob os auspícios dos caminhos abertos por Parker, ao jazz mainstream, já abraçado pelos brancos, já devidamente abraçado ao gosto dito elitista, afastado de suas origens negras. Entretanto, Coleman mirava a reinvenção e o progresso no jazz, percebendo que mesmo a revolução capitaneada por Charlie Parker poderia, dependendo do que se fizesse com ela, ter um efeito conservador. Na mesma contracapa de Change of the Century, Gary Kramer reproduz as palavras de Ornette Coleman, acerca da faixa sintomaticamente denominada “Bird Food”:

“Bird Food” tem ecos do estilo de Charlie Parker. Bird [alcunha de Parker] nos teria compreendido. Ele teria aprovado nossa aspiração a algo além do que ele nos legou. Estranhamente, no entanto, a idolatria acerca de Bird, com as pessoas querendo tocar exatamente como ele, e não fazer sua própria busca interior, tem, definitivamente, sido um impedimento para o progresso no jazz.

Impossível não pensar em Karl Marx. A revolução não pode ser um fim em si mesma. As contradições continuam existindo, e o progresso é sempre possível e necessário. Coleman realmente acreditava nisso, tanto que, inquietamente, continuaria radicalizando, ora com a formação de quartetos duplos, ora tocando violino de forma sui generis, outrora com a formação dos grupos harmolódicos.

Além de Ornette Coleman, contribuíram para a revolução representada pelo free jazz nomes como John Coltrane, Don Cherry, Albert Ayler, Archie Shepp, Sunny Murray, Cecil Taylor, Art Ensemble of Chicago, Eric Dolphy, Charlie Haden, Peter Brötzmann, Roscoe Mitchell etc. A história e as motivações do gênero são muitíssimo interessantes; mas o melhor de tudo é ouvir!

Ouça abaixo a beleza atemporal do free jazz, em dois importantes momentos de sua história: do que se pode chamar de primeiros passos do gênero, ouviremos o saxofonista Ornette Coleman, acompanhado pelo trompetista Don Cherry, pelo baixista Charlie Haden e pelo baterista Billy Higgins, interpretando a faixa “Eventually”, do álbum The Shape of Jazz to Come, gravação realizada em 22.05.1959.
Na sequência, ouviremos o também saxofonista Albert Ayler, do álbum Spirits Rejoice (1966), gravação de 23.09.1965, tocando "Prophet", com destaque para a bateria de Sunny Murray e ao duo de contrabaixistas Henry Grimes e Gary Peacock.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

PSDB, DEM, Serra, Aécio: aonde vocês pensam que vão?

Desde 1994, quando da primeira candidatura de Fernando Henrique Cardoso a presidente, o DEM (ex-PFL) é o parceiro preferencial do PSDB. Estiveram juntos nos dois mandatos de FHC e, até hoje em dia, caminham afinados na oposição ao governo Lula, além de permanecerem aliados em diversos estados e municípios.

Para as eleições presidenciais de 2010, a união entre os dois partidos já vinha sendo tomada como certa. O DEM se apresentava como a noiva controladora e que gosta de impor limites. Nem se discutia quanto ao líder da relação, que é, indubitavelmente, o PSDB. Todavia, importantes quadros democratas, dentre eles o deputado Rodrigo Maia e o senador José Agripino Maia, cobravam uma definição urgente por parte dos tucanos, indecisos quanto à candidatura do governador de São Paulo, José Serra, ou de Aécio Neves, governador de Minas Gerais.

Aécio defendia publicamente que o partido lançasse logo o candidato; José Serra não queria que a escolha ocorresse antes de março de 2010. É, portanto, difícil acreditar que o posicionamento dos democratas, firmes na exigência pela definição tucana, não fosse um aceno aos propósitos do governador mineiro, que claramente colocava sua candidatura à disposição, com sinalização mais forte de que estava preparado a assumir a briga. De sua parte, José Serra, mais “tucanamente”, vem, esse tempo todo, passando a imagem de que pode, na hora “h”, desistir da empreitada.

Eis que a noiva, toda certinha, é pega aprontando das suas. Nessa hora, o noivo, que até então vivia acabrunhado, sente que é a hora de dar o troco, deixando claro que o casamento só sai se – ou na hora em - que ele quiser. As cenas de corrupção explícita do DEM fizeram o partido baixar a bola, e Serra passou a dar as cartas. Já Aécio, cujo maior trunfo era a sua oferta de garantia da solidez da aliança demotucana, preocupado que está com seu futuro político, resolveu largar o barco, informando que disputará uma cadeira no Senado Federal por seu estado. Ou seja, Arruda e sua gangue deixaram o governador de Minas sem a claque para reverberar, na mídia, seu posicionamento, o qual era desafiador ao todo-poderoso governador de São Paulo.

A saída de Aécio obriga o governador Serra a tomar logo uma decisão, até porque a principal adversária, a ministra Dilma Rousseff, do PT, não esconde de ninguém o jeitão de candidata em 2010; o mineiro, esperto, deixou uma porta aberta para voltar atrás, caso o partido precise, na última hora, de um candidato a presidente; não se descarta, por fim, a possibilidade – ainda que remota - de uma chapa puro-sangue, com os dois governadores tucanos. São muitas as conjeturas do para lá de indefinido quadro tucano.

Num primeiro momento, a maior vítima do chamado DEMsalão é, sem dúvida, Aécio Neves, que vinha ganhando musculatura na sua briga interna com Serra, justamente por conta de sua capacidade agregadora, em clara oposição ao estilo truculento e concentrador de seu oponente e de resto de todo o grupo paulista que comanda o PSDB. Havia até mesmo, nos bastidores da disputa interna, um pouco da luta contra o chamado paulicentrismo, fantasma que ronda, silenciosamente, a política brasileira. A posição do mineiro ficou tão complicada que chega a ser suspeita toda essa exposição das entranhas do DEM.

Reconhecer o segundo plano a que já estava relegada a candidatura de Aécio Neves, mesmo antes de sua desistência, não é o mesmo que acreditar que ele estaria obrigado a aceitar qualquer imposição de seu partido - se é que o partido, principalmente por parte de seus caciques de São Paulo, está em condições de lhe impor alguma coisa. Noutras palavras, a pequena derrota do governador mineiro não seria suficiente para deixá-lo de joelhos, a ponto de aceitar ser vice do governador de São Paulo, ainda mais depois de ter feito amiúde discursos contra a centralidade da política paulista em nível nacional. Ao contrário, há quem veja em sua desistência um golpe contra o grupo de Serra, que terá que ir, de uma vez por todas, para o tudo ou nada.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Compromisso com as futuras gerações

Assumir compromissos não é tarefa fácil. A tal da COP-15 que o diga. A coisa se complica mais ainda quando se trata de comprometer-se com as futuras gerações. Tal questão passa por um modo de leitura que vê a ética como uma espécie de contrato tácito entre as pessoas com vista ao seu benefício mútuo.

O filósofo australiano Peter Singer, no outrora aqui mencionado Ética prática (São Paulo: Martins Fontes, 2002, 3ª ed.), evoca colegas como John Rawls (1921-2002), que viam a base da ética na abstenção de se fazer coisas más aos outros, desde que também não nos façam nada de mau, não se justificando, pois, que eu observe tal tipo de conduta em relação àqueles que são incapazes de apreciar minha atitude. Segundo Singer, é o que se usa para tentar justificar a matança de animais com fins gastronômicos, pois tais seres não teriam condições de nos responder com reciprocidade, caso os respeitássemos a ponto de não lhes tirar a vida meramente para o nosso prazer à mesa. Mas este está longe de ser o único problema presente no fato de se enxergar na ética um modelo do tipo contratual.

Entre inúmeros exemplos de falhas no modelo contratual de ética - os quais bem podemos tratar noutras postagens -, o filósofo australiano destaca o seu impacto sobre a nossa atitude diante das futuras gerações. “Por que devo fazer alguma coisa para a posteridade? O que a posteridade fez para mim?”, são indagações imaginadas por Singer, que ainda expõe outra crítica ao modelo:

Os que vão estar vivos no ano 2100 não têm como tornar as nossas vidas melhores ou piores. Portanto, se as obrigações só existem onde pode haver reciprocidade, não precisamos nos preocupar com os problemas como o manejo do lixo nuclear. É verdade que uma parte do lixo nuclear continuará sendo mortal durante duzentos e cinquenta mil anos, mas deste que o coloquemos em contêineres que o mantenham longe de nós por cem anos, teremos feito tudo o que a ética exige de nós. (p. 91)

Eis como se resume o drama. Por mais que se fale e se discuta sobre o meio ambiente, não se encontrarão pessoas realmente dispostas a fazer sacrifícios hoje, pensando no amanhã dos filhos e netos. Ainda mais que vivemos numa época do mais radical individualismo e imediatismo. O pior de tudo ainda reside no fato de que a questão ecológica está fortemente ligada à crise estrutural do capitalismo, sendo necessário, para enfrentá-la de verdade, abdicar do consumo irrefreado, de suposto conforto, das maravilhas da modernidade etc. Caiamos na real: muitos poucos querem pagar esse preço agora; quase ninguém teria coragem de firmar acordos nesse sentido hoje. “Que se dane o clima!”.

Políticos vivem de resultados no curto prazo; e as pessoas comuns raramente se importam com o “dia de amanhã”. Dessa perspectiva, as cartas de intenções apresentadas em conferências internacionais são meras palavras ao vento. O futuro nos julgará. Ora, mas quem liga para o futuro?!

sábado, 19 de dezembro de 2009

Miles Davis - Bags' Groove (1957)

Seria uma espécie de sacanagem comigo mesmo deixar de ter este disco em minha humilde coleção. Nos últimos tempos, adquiri vários trabalhos de Miles, aproveitando os preços baixíssimos de alguns CDs da fase da Columbia, especialmente dos álbuns ao vivo dos anos 1960, além de petardos de estúdio, como o clássico 'Round Midnight, de 1957, e o subestimado Seven Steps to Heaven, de 1963. Lançado pela Prestige Records em 1957, Bags' Groove supera todos os discos mencionados; só perde feio mesmo para os lançamentos da fase jazz-rock, como In a Silent Way, Tribute to Jack Johnson e Bitches Brew, também obtidos a preços módicos nos últimos cinco ou seis anos.

Em gravações originais de 1954, Bags' Groove apresenta Miles acompanhado do grupo imodestamente chamado The Modern Jazz Giants, que incluía gente como Sonny Rollins, Milt Jackson e Horace Silver, todos bem jovens e ainda não consagrados nas respectivas carreiras. Rollins é compositor de três canções, que deveriam ser apresentadas aos que se iniciam no mundo do jazz, pois acessíveis de algum modo, em virtude de seus temas principais memoráveis e pontes bem construídas, constituindo-se um perfeito cartão de visitas aos "neófitos".

Devo dizer que, apesar de tudo, não estive de todo órfão durante esses anos todos: na coletânea dupla Tallest Trees, lançada em 1972, a qual já possuíamos de longa data, este Bags' Groove se fazia presente praticamente na íntegra. Foi lá que aprendemos a dele gostar. De qualquer forma, é sempre bacana ter o álbum original e, neste caso, conforme já expusemos, era uma espécie de dívida pessoal.

Ouça Miles Davis and The Modern Jazz Giants interpretando "Doxy", de Sonny Rollins, gravada em Hackensack, New Jersey, em 29 de junho de 1954.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Cenas Paulistanas

Os que passeiam pela Avenida Paulista já devem ter parado por alguns segundos na calçada, enquanto aguardam veículos entrarem em estacionamentos ou saírem deles. Isso mesmo: os transeuntes param, com toda a boa vontade do mundo, para que os carros transitem, sem qualquer cerimônia, naquele que deveria ser, por excelência, espaço exclusivo do pedestre. É a típica experiência que os que lá caminham certamente já vivenciaram.

Os mais atentos talvez já tenham observado, na mesma Paulista, outra excrescência, só possível mesmo em São Paulo: os veículos saem dos estacionamentos, quase atropelando os pedestres na calçada, para, finalmente, pegar o leito carroçável; para tanto, é necessário que os motoristas tenham a mesma solicitude que os pedestres têm na saída dos estacionamentos, certo? E não é que os motoristas dos carros "de passeio" simplesmente não dão vez? Pode observar, caro leitor: em geral, quem dá a oportunidade para que o veículo atinja o asfalto são os motoristas de ônibus. Isso mesmo, meu caro integrante do MSC (movimento dos sem-carro)! Aquele mesmo motorista de ônibus que às vezes não para quando você dá sinal, ou que se recusa a parar meio metro fora do ponto, ou que não para onde vossa senhoria deseja descer... Este mesmo motorista, quando se trata de dar a vez para automóveis egressos de estacionamentos na Avenida Paulista, é o primeiro a demonstrar-se generoso, solícito e simpático.

Nada a estranhar, infelizmente. Mais uma vez, forçoso é repetir, é típico de São Paulo. Em dose cavalar, o que se tem nestes casos é a priorização do individual sobre o coletivo. A calçada - de algum modo democrática -, em vez de espaço do cidadão, que não pode se atrever a tomar o asfalto, vira ponto de passagem de automóveis que carregam, não raro, um único indivíduo dentro. E os ônibus - o "transporte coletivo" por definição -, certamente por decisão unilateral de seu motorista, faz pouco caso das dezenas de pessoas que carregam, para beneficiar o solitário ocupante de carros de todos os tipos, modelos, anos e preços.

Ah, antes que me perguntem, vou avisando que já vi alguns pouquíssimos motoristas dos carros particulares agradecendo aos condutores de ônibus pela cordialidade; aos pedestres, nunca.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Imprensa força a barra da imparcialidade

O jornalismo praticado no Brasil deve ser enxergado sob o olhar da desconfiança. A análise dele não é simples. Além do que, é de nossa natureza moderna o hábito de ter dúvida de tudo. Destaco pequeno trecho de trabalho que cometi para a disciplina História da Filosofia Contemporânea, ministrada pela professora Yolanda Glória Gamboa Muñoz para o curso de Filosofia, da Universidade São Judas Tadeu, de São Paulo:

Sob a influência do pensamento de Freud é possível que alguém pergunte o que uma pessoa realmente quis dizer ao proferir algo, ou quais são suas reais intenções por trás das palavras ou, ainda, se “deixou escapar algo”, se cometeu um ato falho etc.; na mesma linha de entendimento, pela influência do pensamento de Marx, não são raras as vezes que se pergunta quais são os verdadeiros interesses por trás de um comportamento, a quem tais interesses atendem ou qual a verdadeira motivação do ato. Por exemplo, no caso de uma guerra, talvez seja mais apropriado aos que a defendem e/ou patrocinam dizer que ela tem o objetivo de depor um ditador sanguinário, encontrar armas de destruição em massa ou instaurar os benfazejos ares da democracia, em vez de dizer que o seu principal interesse são, digamos, reservas de petróleo.

Pedimos desculpas pela ingenuidade das observações, as quais faziam a abertura de atividade que versava sobre o tema “ideologia”, após todo um semestre imerso nos pensadores alemães mencionados na epígrafe.

Convém entender quais são as intenções da imprensa, neste momento difícil pelo qual ela passa, vendo – literalmente – cenas explícitas de corrupção recair nas costas dos seus apaniguados, justamente sobre aqueles que ajudavam a reverberar o moralismo presente em seus editoriais, ao mesmo tempo que municiavam suas editorias de política com CPIs, discursos inflamados e frases bombásticas, especialmente acerca da questão ética.

A verdade é que na última sexta-feira, dia 04.12.2009, os três mais importantes jornais do país trouxeram manchetes sobre a aceitação de denúncia, no STF, contra o senador Eduardo Azeredo, do PSDB de Minas. Até aí tudo bem. A questão está no fato de terem destacado a sigla a que o ex-governador mineiro pertence. Durante todo esse tempo, ao falar de tal escândalo, a mídia referia-se a “mensalão mineiro” ou “valerioduto mineiro”, numa clara tentativa de preservar o partido de José Serra, Geraldo Alckmin e Fernando Henrique Cardoso; na última sexta-feira, porém, falaram em “mensalão tucano” e “mensalão do PSDB”, com todas as letras. O que há por trás do fato de os maiores jornais do País terem, surpreendentemente, feito jornalismo, dando nome aos bois em tão complicado imbróglio?

O primeiro ponto é que não se deve negligenciar o fato de as gravações comprometedoras de corrupção do DEM, velho aliado tucano, terem imposto uma situação vexatória para todos que patrocinaram a atuação de tal partido na cena política brasileira, dando-lhe guarida por ter apoiado FHC, por apoiar Serra em São Paulo, por ser a sigla de Gilberto Kassab na capital paulista e, principalmente, por fazer cerrada oposição ao governo Lula. Em segundo lugar, que não se olvide do fato de que as dores de cabeça que se concentram no Distrito Federal resvalaram no PSDB local, mas ameaçam chegar a políticos das duas siglas em outros estados da Federação, notadamente em São Paulo, complicando a vida não apenas de Serra, mas também do prefeito da capital, Gilberto Kassab. Portanto, a imprensa ficou em situação tão difícil que talvez não fosse mesmo o caso de querer tergiversar numa hora dessas.

Mas não é só isso. O caso dos panetones, dinheiro nas meias, cuecas e tudo mais deu à imprensa a inesperada oportunidade de posar de imparcial: “ora, nós batemos pesado no mensalão do PT, mas agora estamos detonando com o mensalão tucano”. Pois é. Só que nunca haviam qualificado o mensalão de Azeredo como “mensalão tucano” antes. De qualquer forma, para os que não acompanham a imprensa muito de perto, ou que ingenuamente acreditam que o partidarismo dela sempre foi bem-intencionado, do tipo que nada mais era do que uma intransigente defesa da ética, tal argumento vai ser de grande serventia.

A desconfiança nos obriga a enxergar mais coisas por trás disso tudo. A imprensa bem pode estar apenas se antecipando aos desdobramentos do processo contra o chamado mensalão federal, aquele que envolve políticos do PT e da base aliada do governo Lula no Congresso Nacional. Saindo notícias bombásticas sobre tal caso, poderá explorá-las e a respeito delas exagerar à vontade, pois terá nas mãos a “prova” de que falou do mensalão dos outros também. E ninguém ficará contando quantas laudas foram oferecidas a cada um dos escândalos. Ademais, os responsáveis pela mídia já devem estar pensando que na cabeça do eleitor prevalecerá o “crime” mais recente. Fora isso, os barões dos meios de comunicação devem estar acreditando piamente que algum aloprado petista apronta alguma nos próximos dias para equilibrar o noticiário.

No entanto, questões ideológicas costumam trazer implicações mais graves. Vejamos.

O ex-PFL está cheio de oligarcas representantes do atraso, e o PSDB deu, nos últimos tempos, uma boa guinada para o centro-direita. De todo modo, seja como for, são partidos que atuam na via institucional, tendo como maior pecado justamente a terceirização da política que ofereceram à medíocre imprensa brasileira nos últimos tempos. O perigo, no entanto, pode ser de, por trás da repentina “imparcialidade” da imprensa, estar uma tentativa de desmoralização absoluta da política, abrindo espaço para a extrema-direita ou para aventureiros golpistas. Bem aqui perto, em Honduras, foi dada a senha para tal tipo de maluquice, ainda com direito à institucionalização forjada da "situação de fato".

Este último ponto, admitimos (e torcemos), é pura teoria da conspiração, não parecendo encontrar, por enquanto, maiores lastros na realidade. De qualquer forma, é bom ficarmos atentos.

No meu supracitado trabalho escolar, vali-me de O dezoito brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx. Encerrei-o de um modo que parece caber aos propósitos esposados aqui:

Vê-se [no relato de Marx] a profusão de interesses que pode estar por trás de atos que no desenrolar histórico parecem plenamente normais. É neste ponto que a ideologia pode ser entendida como um mascaramento natural de interesses subjacentes. É exatamente aí que caberia aquela suspeita dos que perguntam: “quais serão os verdadeiros interesses que estão escondidos atrás disso tudo?”. Para encontrar a resposta, há “um contínuo processo de distinção, desmascaramento, e manifestação do que está aí. Para realizá-lo será necessária uma escavação constante que traga à luz os interesses subjacentes que naturalmente se mascaram” (MUÑOZ, Y.G.G. Ainda a ideologia?, in Integração: ensino, pesquisa, extensão, - ano X, nº 39, São Paulo: Centro de Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu, 2004.)

Algo se dizendo Beach Boys veio aqui

No último dia 02.12.2009, São Paulo recebeu um dos grupos mais importantes da década de 1960, The Beach Boys. Será que recebeu os "Beach Boys" mesmo?

Pois bem, a banda californiana veio tocar no Credicard Hall trazendo apenas Mike Love de sua formação original. Não dá para levar a sério os Beach Boys sem ao menos Brian Wilson. De qualquer forma, pode ter sido uma boa diversão para os quarentões e cinquentões que devem ter comparecido à casa de shows paulistana.

Dei uma olhadela no playlist e, como seria de se esperar, estavam lá todos os velhos clássicos da surf music de inspiração juvenil, tipo "Surfin' Safari" e "I Get Around". Todavia, não deixaram de tocar três ou quatro do divisor de águas Pet Sounds, de 1966, que foi uma espécie de primeira tentativa adulta da banda, digamos assim.

Mais do que adultos, os fãs remanescentes dos Beach Boys são hoje pessoas maduras, alguns pertencentes até ao que se chama de terceira idade. Por isso, o repertório do espetáculo bem que poderia ter sido baseado no trabalho mais denso presente nos álbuns posteriores ao já mencionado clássico de 1966. Por que não? Decerto que não afugentaria os fãs - em primeiro lugar porque os admiradores de verdade do grupo apreciam muitos álbuns dessa fase e, em segundo, porque não são nenhum bicho de sete cabeças, antes são trabalhos que usam e abusam dos trejeitos pop sem qualquer tipo de cerimônia.

Vamos prová-lo aqui, ouvindo a faixa de abertura do LP Sunflower, de 1970, fase para lá de adulta dos californianos. A música é "Slip on Through", de Dennis Wilson, uma espécie de exercício power pop, gênero que faria, nos anos 1970, a alegria de fãs de Badfinger, Big Star, Todd Rundgren etc. Adiantamos que o refrão dessa canção, marca registrada dos bons trabalhos verdadeiramente pop, é, em nossa humílima opinião, um dos mais perfeitos da história do rock. Confira você mesmo logo abaixo.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Protesto do MSM e o texto de Benjamin



O Movimento dos Sem-Mídia (MSM) realizou neste sábado, 05-12-2009, manifestação em frente ao jornal Folha de São Paulo, em repúdio a artigo (para mim, uma espécie de crônica) escrito por César Benjamin, publicado em 27-11-2009, no qual relatava que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria confessado, em almoço no qual estavam presentes outras pessoas, que tentara "subjugar" um jovem quando esteve na prisão. Desnecessário dizer que o jornal publicou sem checar a informação e sem ouvir o outro lado, talvez apegado ao fato de que tão pequenos detalhes são prescindíveis em texto "opinativo", como parece pensar o ombudsman Carlos Eduardo Lins da Silva.

No ato deste sábado, Eduardo Guimarães leu o manifesto que pode ser encontrado no blog dele, abrindo, em seguida, o microfone para quem quisesse acrescentar algo. Sobrou para a "ditabranda", para a parcialidade do jornal, para a relação promíscua com Serra e o PSDB e para outros órgãos do chamado PiG (Partido da Imprensa Golpista). Dentre as mais de 100 pessoas, havia gente do Rio de Janeiro, Paraíba e Santa Catarina.

O "artigo" de Benjamin
Quem reparar bem na fatídica edição de 27.11.2009, perceberá que o texto "Os filhos do Brasil", do economista César Benjamin, não está lá por acaso. Em verdade, ele faz parte de um turbilhão de tentativas de desqualificar o filme "Lula, o filho do Brasil", de Fábio Barreto. Na mesma data, em matéria sobre a película, o jornalista Rubens Valente aponta omissões de episódios "polêmicos" da vida de Lula sindicalista, deixando transparecer a ideia de que o filme escondia fatos que pudessem "empanar o brilho do personagem heroico construído pelo roteiro". O texto de Benjamin, nesse caso, seria a cobertura no bolo, pois trazia a demonstração cabal de que aquele "filho do Brasil" não seria exatamente do tipo que uma mãe - ou um país - gostaria de ter.

Ora, mas por que tudo isso?

No fundo, trata-se de situacão que faz parte da tradição oligárquica, elitista e preconceituosa da mídia paulista. Em verdade, sem o admitir, a Folha, aliada de setores conservadores não apenas de sua cidade mas de todo o Brasil, acredita que a maior parte da população, sobretudo os mais pobres e menos escolarizados, é composta de pessoas incapazes de avaliar uma obra cinematográfica e sem quaisquer condições de discernir uma peça fictícia de um documentário. Disso resulta o medo de que os espectadores votem, em 2010, de olho no mito que aparece nas telas, sufragando a candidata que ele indicar, motivo pelo qual parece entender necessário - custe o que custar - sair a campo, por antecipação, com um processo de desmitificação (e desmistificação) da figura do operário e sindicalista que um dia se tornaria o presidente mais popular da história do País, minimizando ou anulando os "estragos" que o filme de Barreto poderia causar nas "mentes ignorantes" dos que não leem jornais.

O longo "artigo" de César Benjamin decerto que serve a tal propósito. A começar pelo próprio título, "Os filhos do Brasil", o ex-militante petista quer deixar claro que tal epíteto soaria melhor se aplicado a muitos presos comuns que há por aí, pois, afinal de contas, o presidente brasileiro seria, em realidade uma besta fera que ataca jovens, enquanto ele, Benjamin, jovem preso pela ditadura, era respeitado pelos "barras pesadas" com quem dividira as celas nos anos 1970. O recado é curto e direto: Lula é moralmente inferior a ladrões e homicidas que superlotam os nossos presídios.

A julgar pelas missivas que, nas edições imediatamente posteriores, comentavam o texto do economista, muitos brasileiros leitores do diário paulistano sentiram-se de alma lavada com a história lá contada, o que, a princípio, é surpreendente por pelo menos dois motivos. Em primeiro lugar, porque a mesma seção de cartas da Folha já foi espaço para leitores expressarem o mais violento ódio e ressentimento aos apenados pobres brasileiros, sobretudo quando se envolvem em protestos e rebeliões, tornando curioso o fato de que eles (os leitores) tenham sido tocados pela simpatia com que alguns "criminosos comuns" são descritos - homenageados - por Benjamin. Em segundo, porque a certa altura Benjamin diz não saber quem é o "menino do MEP", o "subjugado" pelo presidente, mas imaginava que ele estivesse vivo, pois provavelmente branco de classe média, não teria corrido os mesmos riscos de morte precoce dos negros e pobres brasileiros; está aí mais um tipo de opinião que deveria provocar a antipatia da média de leitores da Folha, para os quais a existência racismo ou da luta de classes no Brasil só existe na cabeça dos lunáticos da esquerda. Imagino que se o assunto tratado pelo economista fosse qualquer outro que não implicasse agressão ao presidente ou ao PT, talvez a mesma seção de cartas veria leitores insurgindo-se contra a perigosa pregação comunista do colaborador, espumando ódio contra a sua defesa de bandidos e em oposição à sua herética insinuação de que não há democracia racial no País.

Uma outra curiosidade - a bem da verdade uma pilhéria - é que para os editores da Folha o relato de Benjamin, descrevendo porões da ditadura, deve ter sido visto como uma obra surreal, afinal, para eles, por aqui houve somente uma "ditabranda"!

Por fim, há de se ver na estratégia adotada pela Folha - de tentativa de desqualificação do filme "Lula, o filho do Brasil", a serviço da qual usou até o texto infame de Benjamin -, não somente desrespeito à instituição Presidência da República ou à figura humana do presidente, mas uma agressão à inteligência do eleitor, enxergado como alguém incapaz de ir ao cinema fruir de uma obra de arte, sem que ela necessariamente interfira na sua maneira de votar.