domingo, 7 de novembro de 2010

O vermelho é mais vermelho, o azul é menos azul, mas isso não tem importância

Pouparei o leitor da reprodução do mapa brasileiro, pintado de vermelho nos estados da Federação em que Dilma Rousseff, do PT, bateu José Serra, do PSDB, e de azul nas unidades do País em que se deu o contrário. A mídia o fez ad nauseam e, provavelmente sem querer, ajudou a desencadear até ondas de preconceito e intolerância na rede mundial de computadores contra o nordeste, região supostamente responsável pela vitória da candidata petista.

É um grande clichê dizer que os números normalmente escondem realidades concretas só perceptíveis quando sobre eles nos debruçamos. E justamente por ser um chavão é de se encarar com tristeza o fato de as análises terem deixado de tomar certos cuidados. A bem da verdade, alguns órgãos de imprensa, de forma tímida e um pouco atrasada, correram a lembrar que, mesmo se se desconsiderasse o nordeste, ainda assim Dilma venceria as eleições, mesmo que de forma extremamente apertada.

Abrindo parênteses, cabe lembrar o belo comentário do jornalista Rodrigo Vianna, advertindo-nos de que não se deve cogitar a ideia de se excluir a votação da região nordeste para dar maior legitimidade ao trunfo da petista. Em verdade, a legitimidade de sua eleição vem justamente do ótimo resultado que ela obteve em todo o País, inclusive - é óbvio - no nordeste.

Voltando à realidade que se esconde atrás dos números, não se descarte o fato de a candidata da coligação liderada pelo PT ter vencido também na região sudeste, com êxito extraordinário nos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, com números rondando a casa dos 60%, um pouco a mais no primeiro e um tiquinho abaixo no segundo, situação que vem em reforço da desconstrução da tese que quer atribuir ao voto nordestino o sucesso de Dilma.

Além disso, melhor mapa seria aquele que trouxesse gradações de cores. Sim, pois em alguns estados o vermelho dilmista deveria vir em tons mais fortes, caso de Amazonas, Pernambuco e Bahia, por exemplo, onde alcançou mais de 70% dos votos válidos. O azul serrista, por seu turno, teria que vir mais enfraquecido em estados como Rio Grande do Sul, Goiás e Espírito Santo, lugares em que faturou com pouco mais dos 50% dos votos válidos.

A leitura simplista dos números impede, também, de se ver as nuanças de cada localidade. No estado de São Paulo, por exemplo, onde Serra foi vitorioso com respeitável vantagem, foi digna de nota a dianteira da presidente eleita em importantes municípios, como Osasco, São Bernardo do Campo, Mauá, Diadema, Ferraz de Vasconcelos, Poá, Franco da Rocha, Francisco Morato, Carapicuíba, Barueri e Itapecerica da Serra, todas na grande São Paulo, cidades marcadas por considerável pujança econômica, por um lado, ou tidas como cidades-dormitório, por outro, ou seja, Dilma Rousseff, ao que parece, empolgou de forma massiva boa parte da classe trabalhadora urbana do entorno da capital paulista.

De se realçar, também, o bom resultado da primeira mulher a se eleger presidente da República na região de Campinas, repetindo, aliás, êxito do primeiro turno, faturando em Sumaré, Hortolândia, Santa Bárbara D'Oeste e outras. Nesta área, mesmo Aloízio Mercadante navegou bem no primeiro escrutínio, na sua malfadada disputa pelo governo do estado.

Do lado de Serra, registre-se que, derrotado nos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, foi o preferido em vários municípios fluminenses e mineiros, borrando fortemente de azul os majoritariamente avermelhados mapas dessas unidades da Federação. Em desfavor do tucano, destaque-se que não ganhou em nenhum município do Amazonas, o que é surpreendente se se levar em consideração os expressivos resultados que obteve nos nortistas Roraima e Acre.

Pois bem, senhores. Dentro de uma caixa há outra caixa. Pegue-se o mapa do Brasil, com seus estados tingidos de vermelho ou azul: tem-se parte da história. Em seguida, isole um dos estados e ver-se-ão seus municípios também pintados daquelas duas cores, indicando, portanto, que as opções não foram categoricamente hegemônicas. Mesmo sem os dados, arriscamo-nos a dizer que informações ainda mais contraditórias ou surpreendentes viriam se se isolassem os bairros ou distritos de cada cidade, e dentro deles tivéssemos acesso aos resultados das diferentes zonas e seções. Se me permitem mais um chavão, a questão é deveras complexa. E só!

Alguma análise, de cujo autor indesculpavelmente não me lembro, apontou muito bem que a eleição brasileira é na base do sufrágio universal, não representando as unidades da Federação nenhuma espécie de colégio eleitoral, como é o caso dos Estados Unidos. Como cada voto é um voto, e como leva aquele que consegue o maior somatório de sufrágios, pouca importância há se os eleitores vêm do Tocantins ou do Paraná, se é de Itabaiana ou de Belford Roxo, ou se é do bairro da Penha ou da Lapa do Rio de Janeiro, ou da Penha ou da Lapa de São Paulo.

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