sexta-feira, 22 de abril de 2011

Beba Coca-Cola

No monótono O papel da oposição, o altamente repercutido texto de Fernando Henrique Cardoso para a revista Interesse Nacional, em certo momento ele sugere que a crítica oposicionista deva ser repetitiva, à moda da publicidade que insiste em bordões do tipo "beba Coca-Cola".

Por acaso - ou não tão por acaso assim - vêm sendo veiculadas no rádio e na TV as inserções publicitárias a que tem direito o PSDB. Uma trata de inflação, a outra de Copa do Mundo e aeroportos. Como demonstração de que o PSDB pretende continuar recusando-se a andar com as próprias pernas, as peças apresentam-se claramente amparadas em notórios bombardeios midiáticos dos últimos meses.

Terrível inflação
Num dos spots, uma mulher reclama da inflação, que teria voltado a nos assombrar, sob um certo desdém do governo federal, que estaria brincando com o tema, decerto em referência a uma certa "jogada de toalha" do Banco Central, que já deu a entender que, neste 2011, não vai lutar com unhas e dentes para trazer os números da inflação para o chamado centro da meta.

Já se vem, desde o final do governo Lula, ouvindo que a inflação teria fugido do controle das autoridades monetárias do País. De tanto que se manda beber Coca-Cola, acabamos bebendo; de tanto que se bate nessa tecla da inflação fora de controle, vamos nela acreditando e - pior - sem perceber vamos contribuindo para sua resiliência, correndo o risco até mesmo de fazer a profecia se autorrealizar.

Em 2010, a inflação efetiva foi de 5,9%, acima do chamado centro da meta, a saber, 4,5%, mas abaixo de sua margem superior de tolerância, que é de dois pontos percentuais, ou seja, 6,5%. Ainda que inquestionavelmente preocupante, o resultado do último ano Lula esteve muito longe de poder ser classificado de inflação fora do controle. E mesmo em ascensão, o acumulado dos últimos 12 meses ainda não rompeu o limite superior da meta deste ano de 2011, que também é de 6,5%.

Em meio ao terreno devidamente adubado por reportagens irresponsáveis, quase a transformar a inflação brasileira numa espécie de tsunami japonês, a propaganda peessedebista acaba parecendo apenas um alerta bem-intencionado ao governo brasileiro, ao mesmo tempo em que conclama os cidadãos brasileiros a ficarem vigilantes ao afrouxamento das autoridades no combate ao "dragão". Não se negue que é este o papel da oposição e que a atenção aos temas mais sensíveis à população é até bem-vindo. Problemáticas mesmo são as falácias contidas na estratégia.

Na propaganda, a personagem, devidamente indignada, pergunta o que "esse pessoal andou aprontando", e garante que a inflação era um mal já resolvido desde 1994.

A primeira parte quer claramente surfar em certo discurso único da mídia, hegemônico até cerca de dois meses atrás, de que suposto excesso de gastos do governo Lula - principalmente nos seus últimos dois anos - estaria na base da "terrível inflação" com que ora estamos deparando. Todavia, para azar dos tucanos, nem mesmo a sua mídia aliada vem se apoiando muito unanimemente nessa afirmação, já aceitando o fato de o inegável repique de preços ter a ver com os valores das commodities, majorados em razão da grande demanda mundial, o que, aliás, tem provocado quadros inflacionários em todo o planeta. O calendário estipulado pelo TSE fez, neste particular, a propaganda do PSDB perder o timing de tal crítica.

Quanto ao problema resolvido desde 1994, talvez convenha fazer uma visita ao histórico de metas de inflação, disponível no sítio do Banco Central do Brasil, com os efetivos resultados do IPCA desde 1999. De se relembrar que 2010, último ano do governo Lula, encerrou com acumulado de 5,91%. Vê-se que em período governado pelo PSDB, de 1999 a 2002, o ano de inflação mais baixa alcançou 5,97%, em 2000; completando o período tucano temos: 8,94% em 1999, 7,67% em 2001 e inacreditáveis 12,53% em 2002. Será que era caso resolvido mesmo desde 1994?

Copa do Mundo e aeroportos
Noutra propaganda, um sujeito demonstra preocupação com atraso de obras para a Copa do Mundo de 2014, em especial com a situação de nossos aeroportos, temendo que, ao final, saia tudo mais caro, com a já esperada "tirada de couro" do contribuinte brasileiro.

Mais uma vez é surpreendente a tabelinha do PSDB com a mídia. Reportagens envolvendo ritmo das obras para 2014 e o risco de os aeroportos brasileiros não darem conta do recado pulularam nas últimas semanas. No caso de nossa condição aeroportuária, até o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), não raramente tachado de "máquina de propaganda" do governo, entrou em campo para demonstrar certo pessimismo quanto à capacidade de o Brasil conseguir pôr os aeroportos para funcionar a contento durante o famigerado evento esportivo, dando, por assim dizer, uma mãozinha ao "patriotismo" midiático.

Crítica maravilhosa, sem dúvida. É bom mesmo ficar ligado. Bem faz o PSDB em repisar, ao lado da mídia, o espinhoso assunto. Há, porém, certo exagero, pois o Brasil, ao contrário do que se quer fazer acreditar, geralmente se sai bem na organização de eventos importantes. De todo modo, é reconfortante saber que tem gente vigilante o suficiente para não deixar o caldo entornar em 2014, ano que, aliás, já está batendo à porta.

Em todo caso, vale uma pequena censura, de outra ordem, à propaganda. O blogueiro Eduardo Guimarães informa-nos em texto sobre o mesmo assunto que, segundo a marquetagem tucana, escolheram, para protagonizar a peça, um homem negro e com sotaque nordestino, com o fim de não “paulistizar” a crítica ao governo Dilma; acrescenta o blogueiro, com ironia, que se trata justamente de "um daqueles que começaram a voar só no governo Lula…". Há aí um evidente desencontro com o já citado panfleto de FHC, texto que deve entrar para a história exatamente por ter exortado o PSDB a abandonar o povão. De qualquer forma, o rapaz com "cara de povo" acaba se traindo e expondo o jeito tucano de ser.

Após reclamar do risco de virmos a pagar caro - literalmente - pelo atraso das obras, o garoto-propaganda acaba vindo a manifestar aquele que é, no fundo, o pior dos temores das elites: que venhamos a passar vergonha perante o mundo. É o manjadíssimo complexo de vira-latas, traço do caráter brasileiro que foi enfrentado com razoável sucesso pelo governo Lula. Como se vê, o PSDB chama para protagonizar sua propaganda alguém com as características do povo de que FHC quer tanto se afastar, mas não descuida de colocar em sua boca alguns dos mantras da classe média tradicional que vem lhe dando sustentação especialmente nas últimas duas eleições presidenciais.

Revela-se, pois, graças a essa peça publicitária, uma das dificuldades do discurso oposiocionista: tentar atrair o pobre, sem afastar a classe média e a elite. Parece que vai ter de escolher um caminho... Puxa vida! Será que o FHC tem razão?

sábado, 9 de abril de 2011

E a oposição vai se desidratando...

O jornal Valor Econômico publicou, no dia 08.04.2011, explosiva entrevista do ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira concedida a Maria Inês Nassif. O economista desanca o PSDB, partido a que pertenceu, e especialmente seu ex-chefe Fernando Henrique Cardoso. O sítio Vermelho reproduziu importantes trechos da matéria (leia aqui)

Não nos causou estranheza. Já vínhamos nos surpreendendo positivamente com alguns artigos e comentários de Bresser-Pereira publicados na imprensa. Abaixo segue texto escrito no final do ano de 2009, revelando contentamento não somente com o ex-ministro Bresser, mas também com outros setuagenários mais prontamente identificados com as escolas conservadoras.


SEGUNDA-FEIRA, 2 DE NOVEMBRO DE 2009
Meus 70 e poucos anos

Nos últimos tempos, vem causando agradabilíssima surpresa o posicionamento, não raro de cunho radical, de alguns setuagenários historicamente ligados à linhagem mais conservadora da sociedade brasileira. (Agradabilíssima, bem entendido, para este escriba. Para alguns amigos, vem provocando estranheza mesmo!).

Há alguns anos, Cláudio Lembo, então governador do estado de São Paulo, na crise do PCC, desancou, em entrevista à Folha, o que chamou de minoria branca brasileira.

Recentemente, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira fez elogios rasgados ao perfil democrático do presidente Lula e, causando maior espécie, teve posicionamento equidistante – o que é quase o mesmo que defender - ao sempre demonizado MST.

Em entrevistas, além de em artigos, o também ex-ministro Adib Jatene defendeu aumento na cobrança de impostos, opondo-se, assim, a velho dogma da direita e das classes média e alta, mesmo que não necessariamente de direita.

Por fim, Delfim Netto brada aos quatro cantos para que se reconheça a superioridade do governo Lula em relação aos que lhe antecederam, especialmente em virtude de suas políticas inclusivas.

Delfim, hoje filiado ao PMDB, foi da ARENA e integrou os governos militares; Lembo pertence ao DEM, esteve ligado a figuras polêmicas como Paulo Maluf e Jânio Quadros; Jatene, além de ter sido idealizador da CPMF no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi ministro de Collor e secretário de Paulo Maluf.

De todos, talvez Bresser seja o que mais se entristeceria de estar, aqui, sendo qualificado como homem conservador, haja vista já ter se autodenominado de centro-esquerda e por ter, indubitavelmente, maiores ligações históricas com as forças democráticas. Em todo caso, foi partícipe dos governos de José Sarney e de FHC, ambos muito longe de poderem ser classificados como progressistas.

Impossível não se lembrar da famosa (infame?) frase de Willy Brandt: “Quem aos 20 anos não é comunista não tem coração; e quem assim permanece aos 40 anos, não tem inteligência”. Com os nossos amigos Lembo e companhia limitada, porém, parece que a coisa se deu de forma inversa: tinham muita "cabeça" aos 20, mas agora, não aos 40 mas aos 70, são só coração!

Não se trata, evidentemente, de comunismo, palavra que está por demais surrada. Por outro lado, dá para se falar de “direita” e “esquerda”.

O filósofo Norberto Bobbio, poucos anos após a queda do Muro de Berlim, tentou avaliar a sobrevivência e o significado da polarização entre direita e esquerda, em livro lançado no Brasil pela Editora Unesp, em 1995, intitulado justamente Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. Bobbio expõe conceitos fundamentais para se entender a recolocação da velha dicotomia. Dentre os mais importantes está o de “igualitarismo”:

(...) o elemento que melhor caracteriza as doutrinas e os movimentos que se chamam de “esquerda”, e como tais têm sido reconhecidos, é o igualitarismo, desde que entendido não como a utopia de uma sociedade em que todos são iguais em tudo, mas como tendência, de um lado, a exaltar mais o que faz os homens iguais do que o que os faz desiguais, e de outro, em termos práticos, a favorecer as políticas que objetivam tornar mais iguais os desiguais. [2ª edição, p. 125]

Penso que quem ler as entrevistas e artigos indicados das personalidades citadas neste post perceberá a preocupação - ainda que não manifesta - com a questão da igualdade, seja na forma de propostas para minimizá-las, seja na defesa do uso de mecanismos corretores da perversa desigualdade que marca o Brasil. Neste sentido, devidamente agasalhado pelo teórico italiano, os nossos amigos estão parecendo velhos militantes da esquerda!

Muitos podem não levar tão a sério o que dizem e até mesmo pensar que eles possam estar fazendo “tipo”, ou, o que é pior, avaliar que não dá para confiar em “figuras” como essas. Todavia, o efeito da fala deles, em nossa opinião, não deve ser negligenciado, pelos seguintes motivos: elogios às bem-sucedidas políticas de transferência de renda do governo Lula feitas por seus correligionários já seriam esperadas, passando despercebidas mesmo que muito bem fundamentadas; "desabafos" como o de Cláudio Lembo, se feitos por políticos de esquerda, seriam – não tenho dúvidas – tachados de fascistas; comentários “simpáticos” ao MST, normalmente classificados como defesa do “terrorismo”, se ouvido de um Bresser-Pereira, ao menos ganha alguma atenção; e, finalmente, a antipática bandeira na defesa de cobrança de impostos, quando corajosamente empunhada por políticos de esquerda, só ganha espaço na mídia se for com o objetivo de satanizá-los.

Já os senhores Lembo, Jatene, Bresser e Delfim, com seus mais de 70 anos de idade, não têm que ficar dando muitas satisfações a ninguém, tampouco se preocupar com as "terríveis" repercussões de suas falas. Justamente por isso, vale bem a pena prestar atenção ao que dizem.


P.S.: Cláudio Lembo desligou-se recentemente do DEM, engrossando as fileiras do novíssimo PSD, de Gilberto Kassab, de quem é secretário de Negócios Jurídicos na prefeitura de São Paulo.