sábado, 30 de julho de 2011

A mí(s)tica dos 27 anos

Muito se tem falado nos últimos dias sobre o fato incrivelmente curioso de artistas pop falecidos aos 27 anos de idade.

A morte da cantora Amy Winehouse ajudou a botar mais fogo nessa lenda, juntando-se a grupo que conta com Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison, todos mortos aos 27.

Uma amiga no trabalho, em tom de pilhéria, disse que a inglesa deve ter forçado a barra para “conseguir” morrer aos 27, talvez com a garantia de se tornar “eterna”, por assim dizer.

A bem-humorada suspeita, a despeito de seu absurdo, não deixa de, paradoxalmente, fazer algum sentido. O mito dos 27 é algo já pronto: aqueles artistas dos anos 1960 evidentemente não sabiam e certamente não o quiseram mas sem dúvida o estabeleceram. Hoje, “graças a eles”, qualquer um pode voluntária e romanticamente se findar naquela fatídica idade somente com o fito de entrar definitivamente para a história.

É claro, o leitor já deve ter começado a pensar em Kurt Cobain. O líder do Nirvana suicidou-se aos 27 em 1994. Mais do que nas de Amy Winehouse, estava nas mãos dele ter continuado vivendo ou, ao menos, ter dado cabo da vida com outra idade menos emblemática.

A incrível coincidência que se abateu sobre Janis, Hendrix e Morrison ajudou a criar a mí(s)tica dos 27 anos. A lenda ganhou novo impulso com Cobain. Resta saber se ela realmente se realimenta tanto a ponto de catapultar para a eternidade uma artista bem menos interessante, como é o caso da britânica Amy Winehouse.

Também curioso, por outro lado, é o fato de alguns geniais artistas pop terem morrido em idade que rondava os 27 anos e hoje serem menos populares, menos lembrados, ainda que muito cultuados. Talvez devessem ter fenecido aos 27...

Gram Parsons, por exemplo, morreu aos 26. Com a mesma idade suicidou-se em 1974 o “maldito” Nick Drake. Um pouco depois, já aos 28, faleceu Tim Buckley. Todos cantores e compositores que, como se vê, “bateram na trave” dos 27.

O estadunidense Gram Parsons (05.11.1946 a 19.09.1973), por exemplo, foi dos maiores expoentes do chamado country rock. Integrou os Byrds em sua fase mais country e foi líder do The Flying Burrito Brothers. Deixou dois álbuns solos muito procurados mundo afora: GP (1973) e Grievous Angels (1974). Morreu de overdose aos 26.

Nascido no hoje Myanmar em 19 de junho de 1948 e morto no Reino Unido em 25 de novembro de 1974, Nick Drake, como óbvio, não esperou fazer 27. Embora seja figura reconhecidamente depressiva, e ainda que oficialmente sua morte seja tomada como suicídio, não deixa de haver algumas dúvidas e suspeitas se ele realmente se matou. A maioria, porém, se vê tomada de certeza quando ouve os momentos mais dolorosos de Five Leaves Left (1969) e Pink Moon (1972).

Nascido na capital dos Estados Unidos (14.02.1947), Tim Buckley foi um vitorioso que conseguiu ultrapassar os 27 anos de idade. Passado pouco tempo dos 28 anos completo, em 29.06.1975, o pai de Jeff (por acaso morto com pouco mais de 30) veio a morrer de overdose de heroína, pondo fim a uma carreira que não se sabia aonde poderia chegar, uma vez tratar-se ele de artista inquieto, que passava a vida a transitar do folk ao rhythm’n’blues.

Vamos ouvi-los abaixo e ajudar a fomentar a macabra dúvida: se tivessem ido com 27, seriam hoje mais populares?

De Gram Parsons, do álbum Grievous Angels (1974), ouviremos trecho de “Brass Buttons”. Com Nick Drake, do álbum Five Leaves Left (1969), teremos um pedaço de “Man in a Shed”. Por fim, descendo até 1967, curtiremos parte de “Once I Was”, de e com Tim Buckley, extraída de Goodbye and Hello.

domingo, 24 de julho de 2011

Inflação: política e economia

O factoide inflação continua rendendo – com ou sem trocadilhos, você decide!. Começou como mero jogo político capitaneado pela oposição e pela mídia, passando, num segundo momento, a sofrer exploração da turma da economia-finanças – nesta etapa, também com o apoio do oligopólio midiático.

Já no fim de 2010, e especialmente no início de 2011, as figuras de oposição – e tanto faz falar de jornalistas ou políticos – passaram a dizer que vivíamos um clima de descontrole inflacionário. A estratégia parecia ser a de colar em Lula a responsabilidade por certa “herança maldita” legada ao País, e, neste caso, uma herança particularmente maléfica para a população mais pobre, não por acaso justamente os maiores apoiadores do ex-presidente. Alegava-se certo afrouxamento do pernambucano no combate ao “dragão”, que, por sua vez, teria sido alimentado pelo abuso nos gastos públicos dos últimos anos com o fim de ajudar sua candidata à sucessão.

O ano de 2010 fechou, com efeito, com inflação acima do centro da meta (5,91% contra 4,5%), ainda que abaixo do limite superior de tolerância, que era de 6,5% ao ano. Nunca é demais lembrar que em seu último ano, 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso entregou a Lula um País com 12,53% de inflação. É bom não se olvidar também que, durante a corrida presidencial do ano passado, a então candidata Dilma Rousseff trouxe à baila o assustador resultado do ocaso do ex-presidente tucano, vindo a sofrer desautorizações e censuras de colunistas da grande imprensa, assim como de um ou outro luminar dos partidos oposicionistas.

Esquecendo-se dos detalhes acima, explorou-se nos últimos meses o tanto que deu – e na medida do necessário – o assunto inflação, de modo a quase transformar o Brasil na Alemanha pré-nazista. Chegava a ser engraçado ouvir âncoras de rádios noticiosas reportando-se aos tempos da hiperinflação de Sarney, enquanto se esqueciam de mencionar o preocupante resultado do ano de despedida de FHC!

Mas o tópico inflação foi aos poucos esfriando do ponto de vista político. O primeiro motivo talvez tenha sido o de que não daria para martelar muito no tema, em vista das reiteradas informações de que o pequeno repique de preços iniciado em fins de 2010 devia-se, sobretudo, ao elevado valor das commodities, ou seja, não tinha muita ligação com fatores internos, tanto que diversos países vinham – e vêm – sofrendo com aumentos nas prateleiras.

E, muito melhores do que a “dura realidade” do parágrafo anterior, vieram histórias que mexem com o ânimo neoudenista não somente da oposição (política e midiática) mas também da classe média – mais sobejamente a tradicional – dos grandes centros urbanos. Trata-se do factoide Palocci e do escândalo do ministério dos Transportes. Com tais “combustíveis” em mão, capazes de acender o fogo do moralismo seletivo de importante contingente da população brasileira, torna-se bobagem brigar com fatos, querendo convencer o povo de que ele estaria vivendo o pior quadro inflacionário desde o início do Real, quando se sabe que isso é uma mentira deslavada.

Ora, dirão alguns, a coisa não parece estar rolando bem assim, haja vista os aumentos de juros, as declarações defensivas de ministros da área econômica e as falas cautelosas da própria presidenta Dilma. Pois bem: é aqui que entra o trabalho bem feito do pessoal da economia-finanças, ou, se preferir, o tal “mercado”.

É simples: os “mercadistas” querem juros. Viram no terrorismo inflacionário a oportunidade de não ter, sob novo governo e nova direção do Banco Central, o esperado estancamento da elevação contínua de juros. E para tal mister a mídia lhes serve com a mesma dedicação que normalmente presta para a oposição política.

O IPCA de maio e de junho tiveram quedas significativas. No entanto as pressões para se aumentar os juros soaram forte aqui e ali, tanto que a SELIC recebeu mais 0,25% nesta semana.

A imprensa, sempre prestativa, estampa em suas manchetes o acumulado da inflação de 12 meses, apontando-o como número acima do extremo da meta de 6,5%, deixando, contudo, de esclarecer que o BC não se compromete com resultados dos últimos 12 meses, mas sim com o consolidado do ano, ou seja, trabalha para não ultrapassar os 6,5% de inflação no ano de 2011.

A mídia esconde também que de junho a agosto de 2010 a inflação foi muito próxima de zero. Desse modo, no cálculo do acumulado de 12 meses está-se subtraindo zero e acrescentando qualquer resultado positivo, mesmo que baixo, que se venha atualmente apresentando, o que obviamente empurra para cima o somatório do período. Situação inversa pode ocorrer nos últimos meses deste ano: de outubro a dezembro do ano passado os índices estiveram sempre acima de 0,60%; possíveis resultados menores no mesmo período em 2011 inevitavelmente trarão o acumulado para baixo.

Em resumo, a inflação não traz riscos mais sérios, como já bem perceberam os políticos oposicionistas, muito mais empolgados com suspeitas ou escândalos de corrupção do que com as estripulias de um dragão que, embora desperto, continua bastante calmo no seu canto.

O pessoal do chamado mercado, porém, não pode deixar escapar o “diamante bruto” que a guerrinha política lhe jogou no colo. Não obstante as provas de que não há maiores riscos inflacionários a se considerar, o assunto não pode esmorecer, para que continuem a faturar com a farra dos juros.

Num e noutro viés, temos a mídia sempre dando suporte. Num e noutro caso, vemos o País sempre perdendo.


Leia também:
O inflacionado mercado das mentiras

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Billy Blanco (1924-2011)

Morreu no Rio de Janeiro, neste 08 de julho de 2011, o compositor Billy Blanco, considerado um dos precursores da bossa nova.

O paraense de Belém, que teve músicas gravadas pelas principais vozes da MPB, já foi motivo de postagem deste blog, em virtude da homenagem que prestou a São Paulo em 1974, no notável disco Paulistana, Retrato de uma Cidade.

Em homenagem ao lendário artista, reproduzimos o texto abaixo, com direito à execução de um dos momentos mais inspirados do clássico álbum.

SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010

Billy Blanco - Paulistana, Retrato de uma Cidade (1974)
Abaixo, resenha originalmente publicada no RateYourMusic

Acredito que não passe um 25 de janeiro no qual não se ouça um coro afinado cantando: ‘São Paulo que amanhece trabalhando’. É o “Tema de São Paulo”, de Billy Blanco, letra e melodia que são o leitmotiv deste álbum conceitual. O outro tema desta ode é “Amanhecendo”, do qual muitos vão se lembrar por ser usado nas manhãs de uma famosa rádio noticiosa de São Paulo: entre uma mentira e outra, entre um comentário que flerta com o fascismo e uma entrevista com algum porta-voz da classe média chorona, entre uma reportagem tendenciosa e um dado contestável, pode-se ouvir o coro que entoa ‘começou um novo dia, já volta quem ia, o tempo é de chegar’; depois, em “O Tempo e a Hora”, ‘vombora, vombora, olha a hora, vombora’: é bom ouvir isso direto do disco do Billy Blanco e não das ondas irradiadas por aqueles que abusam da concessão de um serviço público ofertado por toda a sociedade; muito bom ouvi-lo de uma obra produzida pela lenda Aloysio de Oliveira e não daqueles que se escondem por trás da covardia que denominam liberdade de imprensa. Aliás, amigos leitores, há uma frase de “O Tempo e a Hora” que diz, na bela voz da cantora Cláudia, que ‘o que vale é a versão, pouco interessa o fato’! Há algum freudiano aí?

E o disco fala, é claro, das coisas e das personagens de São Paulo: a carioca Elza Soares canta os imigrantes em “Capital do Tempo” e a tradição esportiva da cidade em “Pro Esporte”; Pery Ribeiro faz a “Louvação de Anchieta”, canta as “Coisas da Noite”, avança as fronteiras da cidade rumo à “Grande São Paulo” e via a “São Paulo Jovem” de então andar em duas rodas, com um rapaz guiando e uma moça na garupa, numa cena própria de um tempo em que a palavra motoboy seria um neologismo que causaria risos; a já citada Cláudia presta justiça a “Bartira”, aquela que Billy chama de índia-madre nas notas do disco; Miltinho, em “Viva o Camelô”, fala de uma figura folclórica, anterior à profissionalização do “bico” e de suas imbricações com o crime organizado; Claudette Soares nos mostra que o “Céu de São Paulo” já não era tão azul, mas que isso não importava para quem só tinha olhos para o asfalto; Nadinho da Ilha fala de uma das personagens mais conhecidas, amadas, cultuadas, desejadas e procuradas de São Paulo, a saber, “O Dinheiro”; e o coro manda ver numa irresistível levada rock para a “Rua Augusta” de Billy Blanco, que diferentemente da de Hervê Cordovil, não era espaço para a velocidade, mas para o caminhar leve, despreocupado, de moças olhando vitrines, enquanto eram admiradas nas suas roupas da moda.

Não deve ter sido à toa que o paraense Billy Blanco, para este disco produzido pelo carioca Aloysio de Oliveira, tenha convidado tantos artistas não nascidos em São Paulo: deve ter querido chamar a atenção para a idéia de cidade que tudo – e a todos - abraça. E o maestro Chiquinho de Moraes, na orquestração do álbum, valeu-se de características brasileiras numa linguagem universal, como sói acontecer com as coisas de São Paulo.

Agora, se me permitem, uma "provocaçãozinha": se eu me interessasse por política, diria apenas que o disco foi – a meu ver - por demais condescendente com nós paulistas, ao deixar de lado nosso conservadorismo e provincianismo, qualidades que, no mais, devem ser democraticamente respeitadas. Mas Billy Blanco talvez tenha até feito bem, pois para mim é muito triste lembrar que, por exemplo, Juscelino Kubitschek e Luiz Inácio Lula da Silva, dois dos presidentes mais populares da história do Brasil, dividem a nada honrosa pecha de serem os únicos que foram eleitos diretamente sem vencer em São Paulo. E olha que eu nem sou muito admirador de Juscelino... Mas São Paulo daquela feita preferiu Adhemar de Barros. Mais conservadora e provinciana impossível!

São Paulo, em 1974, ainda era a cidade das oportunidades, a cidade que mais crescia no mundo, ainda ostentava as características de city boom que mereceu chamada de capa da revista Time em 1952 (quando ainda era a segunda cidade do Brasil); em 1974, passados 20 anos, parecia que ainda não havia acordado da mística dos quatrocentos anos.

E hoje, como seria a música de uma "Paulistana 2007"? Alguém aí se habilita?

São Paulo, 29 de abril de 2007.

PS: e hoje, 25 de janeiro de 2010, como seria uma "Paulistana 2010"? Debaixo d'água certamente, mas com a imprensa provinciana dizendo que era a Veneza do século XXI!

Ouça abaixo "O Tempo e a Hora", nas vozes de Cláudia e Pery Ribeiro. Nas imagens, fotos de São Paulo, tiradas entre 2005 e 2009 pelo autor destas maldigitadas e pela esposa, Roseli Brito.