sábado, 28 de abril de 2012

Cotas raciais - reprodução de texto de 2008

Em vista da histórica decisão do Supremo Tribunal Federal nesta semana, considerando constitucional a adoção de cotas raciais em exames vestibulares, republicaremos texto acerca do assunto aqui postado em 2008. Naquela época, foram entregues a Gilmar Mendes, então presidente daquela Corte, um manifesto contrário e outro favorável à adoção do sistema de cotas. Pretendíamos ter escrito mais sobre o assunto, tanto que aquela postagem foi classificada como primeira parte da discussão. Lamentavelmente não o fizemos. Agora, felizmente talvez não seja mais necessário. Reproduzamos aquele texto, então.


DOMINGO, 10 DE AGOSTO DE 2008

 O STF estará julgando em breve uma ADIN representada contra a lei de cotas nos concursos vestibulares das universidades estaduais do Rio de Janeiro. Por conta disso, foram apresentados àquela Corte dois manifestos assinados por nomes importantes da sociedade civil brasileira, um contrário ao sistema de cotas e outro favorável. O documento anticotas intitulava-se “113 Cidadãos Anti-Racistas Contra as Leis Raciais” e conta entre os seus signatários com gente como Aguinaldo Silva, autor de telenovelas da Rede Globo, e Reinaldo Azevedo, jornalista da revista Veja. O texto é bem escrito, mas peca pela excessiva auto-indulgência. A todo momento lembrando o leitor de que não são racistas, os manifestantes mais parecem aquela personagem do conto Arranjo em branco e preto, da escritora norte-americana Dorothy Parker!
 Do outro lado, o “Manifesto em Defesa da Justiça e Constitucionalidade das Cotas” é assinado por, entre outros, Oscar Niemeyer, pelo jurista Fábio Konder Comparato e pelo teatrólogo Augusto Boal. Apresentado no Supremo após a entrega do manifesto anticotas, o documento, mais do que uma defesa, é um contra-ataque aos argumentos apresentados pelos antagonistas.
 Sem dúvida que é inquietante a celeuma provocada pela simples alusão às cotas nos concursos vestibulares. Inquietante e incompreensível. Afinal, o Brasil é, de forma geral, um país altamente tolerante com o sistema de cotas e reservas. Não se ouve falar de oposição organizada à reserva de vagas para portadores de deficiência física em concursos públicos. Tampouco se sabe de ações judiciais contra a obrigatoriedade de se assegurar um mínimo de candidatas mulheres por partido político (embora, nesse caso, o legislador tenha sido inteligente em não assegurar um mínimo de vagas para um dos sexos, mas antes evitar que qualquer um deles obtenha mais do que 70% das candidaturas, mas ninguém é ingênuo o suficiente a ponto de não perceber que, em última análise, a lei protege a mulher na política). Os anticotas tentam desqualificar os argumentos que usam tal analogia, mas não conseguem demonstrar claramente que eles não têm no mínimo a mesma raiz (por isso talvez a quase paranóica necessidade de ter de demonstrar que sua posição contrária às cotas para negros nos vestibulares não tem nada a ver com racismo). 
O portador de deficiência por óbvio que depara com grandes dificuldades de entrar no mercado de trabalho, daí a “discriminação inversa” da reserva de vagas nos concursos para ingresso no setor público. E historicamente a mulher ficou relegada a um segundo plano no quadro político do país, sendo necessária alguma compensação que tente minimizar tal desequilíbrio. Mas tanto os portadores de deficiência quanto as mulheres precisam efetivamente participar dos respectivos processos seletivos ou de escolha a que se submetem, e independentemente de qualquer reserva de vagas, são obrigados a obter resultados mínimos ou apresentar características que estão enquadradas no já consagrado - ainda que discutível - princípio do mérito.
 O mesmo se dá com a questão do negro na sociedade em geral e no campo escolar em particular. Os dados estatísticos comprovam - mas mesmo sem eles qualquer observação empírica denuncia - que a participação do negro na riqueza do Brasil e no universo escolar é desproporcional ao seu contingente geral no país. O sistema de cotas é apenas um pequeno passo na tentativa de se alterar tal realidade, a qual tem origem não somente nos árduos anos de escravidão, mas talvez principalmente na não-inserção do negro na sociedade brasileira pós-abolição. E a exemplo dos deficientes nos concursos públicos, e das mulheres nos partidos políticos, os negros beneficiários dos sistemas de cotas são obrigados a também ter desempenhos mínimos para ingressar nos cursos no número de vagas que lhes couber.
 E por falar em mérito, vale recorrer a Peter Singer (ele de novo!), que no seu indispensável Ética prática questiona por que apenas a inteligência é usada nos concursos de ingresso nas universidades. O filósofo sustenta que outras qualidades ou características são também fundamentais para as mais diversas atividades e, portanto, poderiam ser usadas como critério de admissão de estudantes. Indo além, Singer alega que a seleção pelos testes de inteligência pode ser enquadrada no mesmo nível de qualquer outra utilizada pelos programas de “discriminação inversa”. Noutras palavras, se as universidades passassem a usar outro critério para fomentar seus programas de ação afirmativa em vez dos tradicionais testes que supostamente medem a inteligência, estariam apenas mudando sua política, e se isso trouxesse descontentamento, seria apenas a choradeira típica dos beneficiários do modelo anterior. Ainda sobre isso, o texto em defesa das cotas marca um de seus melhores tentos ao asseverar que “uma sociedade democrática sabe que o mérito deve ser um ponto de chegada e não um ponto de partida”. (grifo nosso)
(...).

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Eleições municipais - São Paulo 2012 - Qual é a do PSDB?

No primeiro texto voltado às eleições municipais de 2012 em São Paulo, comemoramos o fato de José Serra ter decidido não participar do embate. Tratava-se de um claro avanço, haja vista a necessidade de a cidade ser administrada por alguém realmente interessado e disposto a enfrentar seus problemas, não por alguém que pretenda usá-la como trampolim ou, quiçá, a enxergue como mero prêmio de consolação, ante as derrotas em nível nacional.

A história todos conhecem: após ter afirmado que não disputaria a eleição municipal de 2012, José Serra voltou atrás, participou das prévias do PSDB que já estavam marcadas, venceu-as de forma um tanto decepcionante e acabou por trazer nova cara ao pleito deste ano.

José Serra não é novo nas disputas municipais na capital paulista, delas participando em 1988 e 1996, com resultados não muito estimulantes. Em 2004, todavia, conseguiu levar seu partido pela primeira vez ao comando da maior cidade do País. Parece ter sido resultado de processo que já vinha se construindo de forma gradativa, como veremos.

Ao contrário do que a mídia e o burburinho do dia-a-dia nos querem fazer acreditar, o Partido da Social Democracia Brasileira não chega a ter uma história marcante no município, em linhas gerais. Desde a fundação do partido - o que se confunde com o período da pós-redemocratização do País -, o PSDB somente chegou ao segundo turno em eleições na cidade de São Paulo no ano de 2004, justamente com Serra, que se saiu vitorioso naquele pleito. Como já tivemos a oportunidade de mostrar, o PT é o único partido que sempre esteve na briga final.

Entre 1988 e 2000, a disputa foi clara, numa franca polarização ente o PT e a corrente conhecida como malufismo. Era a peleja entre esquerda e direita. Em 1988, bem na reta final, Luiza Erundina (então do PT) atropela Paulo Maluf; em 1992, Maluf dá o troco, batendo Eduardo Suplicy (PT), no segundo turno; em 1996, sem o instituto da reeleição, Maluf lança seu secretário Celso Pitta como candidato, que consegue vencer a ex-prefeita Erundina (ainda no PT); finalmente, no ano 2000, apesar do fracasso retumbante da administração Pitta, o malufismo ainda demonstrou algum resquício de força, com seu patrono conseguindo abocanhar mais de 40% dos votos no segundo turno contra a vitoriosa Marta Suplicy, do PT.

O insistente Maluf, em 2002, na disputa pelo governo do estado de São Paulo, foi ultrapassado por José Genoíno, do PT, não conseguindo, pela primeira vez desde a instituição da eleição em dois escrutínios, chegar ao segundo turno da disputa estadual - sinal de que havia mesmo algo de estranho com o fenômeno do malufismo, cujo patrono só ficara de fora de um segundo turno em 1994 (não disputou o cargo naquele ano). Em 2004, na disputa municipal, Maluf consegue apenas um terceiro lugar, deixando o segundo turno ser disputado por Marta e Serra. Com tal resultado, não restava dúvidas de que o malufismo já não era mais o representante hegemônico do conservadorismo paulista e paulistano.

O PSDB, talvez sem querer, talvez sem o perceber, começa a ocupar o espectro mais à direita da política paulistana. Em 2008, embora disputando a corrida municipal com um nome de peso - nada menos que Geraldo Alckmin -, o partido, repetindo o aspecto mais comum de sua saga na cidade de São Paulo, ficou apenas no terceiro lugar. Não se pode olvidar, entretanto, que a reeleição de Kassab naquele ano se deu com o apoio explícito do PSDB no segundo turno e velado no primeiro - caso clássico de cristianização, sofrido por Alckmin. Dê-se um desconto, portanto, aos que consideram o feito de Kassab quase como uma vitória tucana.

Muitos entendem ser o conservadorismo a principal característica do que se pode chamar de "eleitor médio" paulistano. Eleição após eleição, foi-se vendo o malufismo perder força e o PSDB ocupar os espaços mais à direita no campo político paulistano. O partido de FHC, Covas e Serra não surgiu com tal proposta ou vocação. Talvez tenha sido empurrado para este lado por representar, em nível nacional e em diversos lugares também na seara estadual, o antipetismo, posição que ostenta por normalmente enfrentar o Partido dos Trabalhadores nas principais eleições pelo País.

A ocupação dos flancos à direita pelo PSDB, como dito, deu-se de forma bastante paulatina, talvez imperceptível e - ousaria dizer - surpreendente até para muitos de seus membros. Aos poucos, seus integrantes e correligionários foram aceitando essa nova cara do partido. Verdade seja dita, quem parece hoje melhor entender que ao PSDB pouco sobra senão tentar correr por essa vereda é mesmo José Serra, o que por si só já basta para classificá-lo como fortíssimo candidato na disputa deste ano.

Leia também:
Eleições municipais - São Paulo 2012
Eleições municipais - São Paulo 2012 - Força do PT