domingo, 18 de novembro de 2012

Decisão judicial cumpre-se (mas se discute)

É famosa a frase: "decisão judicial não se discute; cumpre-se". Como o título da presente explicita, pretendemos aqui inverter a máxima: "decisão judicial cumpre-se; mas se discute, sim".

Em uma postagem anterior (link abaixo), demonstrávamos nossa crença de que, na ação penal 470 do STF, vulgo "mensalão", a acusação era fraca e as defesas, ao contrário, bem articuladas. Acrescentávamos a suspeita de que, se houvesse provas robustas das acusações lá contidas, a nossa diligente imprensa já as teria exposto, de forma caudalosa, em suas páginas e programas.

Acreditávamos que, sob um julgamento técnico, não se iria muito longe no caso, mas, prudentemente, deixamos uma porta aberta para o risco do julgamento político, de olho nos anseios da "opinião pública". Aconteceu este último.

O resultado do julgamento tem feito maior parte da imprensa vibrar e deixado seus colunistas permitirem-se dar como certas as acusações da Procuradoria-Geral da República, afinal houve condenações dos principais acusados e, neste caso, a última palavra é do Supremo.

Decisões judiciais, como já dito, não devem ser tomadas por inexpugnáveis. Ninguém, em sã consciência, afasta a hipótese do erro judiciário. Não raro descobre-se, após muitos anos, que pessoas condenadas à morte eram inocentes da autoria dos crimes que lhe foram atribuídos. O terem ido ao corredor da morte não transformou em verdadeira a acusação que era falsa, evidentemente - a menos, talvez, para os que acreditam que a verdade é só uma "quimera"!

Apesar do clima festivo, ouvem-se no entanto, mesmo na imprensa conservadora, vozes dissonantes, preocupadas principalmente com condenações baseadas em indícios e suposições, amarradas pela polêmica teoria do "domínio do fato". Com supedâneo na tal tese, pegou-se principalmente o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu. Como o leitor deve ter acompanhado, o jurista Claus Roxin, um dos desenvolvedores da ideia, andou desautorizando a interpretação que a Corte brasileira fez da teoria.

De todo modo, na nossa humílima opinião, o problema não está no mau uso da teoria do domínio do fato. Convenhamos que todo intrincado esquema criminoso, complexo e cheio de gente envolvida, deva sempre ter alguma figura importante e influente por trás. De se supor também que essa figura, dado seu grau de poder ainda que transitório, consiga circular sem deixar provas robustas de suas ações - afinal, testas-de-ferro estão aí para isso!

O grande problema da ação penal 470, porém, é a de que, em nossa opinião, não há provas de que existiu esse troço chamado mensalão, entendido como uma paga a parlamentares para votar projetos de interesse do governo Lula. Não havendo ação criminosa, logo não há chefe de tal prática, nem diretamente nem por domínio do fato.

Como reconhecido até pelo procurador-geral da República, e demonstrado por estudos, o governo federal perdeu votações na Câmara, durante o período em que teria vigorado o mensalão, mesmo em épocas em que ocorreram repasses (leia aqui o estudo do Movimento Universitário em Defesa do Estado de Direito).

Grana rolando solta com certeza houve e isso está demonstrado nos autos. Ao que tudo indica, resultado dos acordos financeiros feitos por partidos aliados, prática comum nas negociações políticas, representando o famigerado - e abominável - caixa 2 de campanha. Como já sabido, ironicamente o PT valeu-se de Marcos Valério e sua expertise conquistada no trabalho realizado anteriormente para o PSDB.

Já a corrupção pura e simples, de dinheiro sendo dado em troca de votos no Congresso, não somente não foi comprovada como ainda há, conforme o estudo citado, prova em contrário.

As coalizões políticas permitem a governabilidade. E os acordos, já de longa data, têm sido feitos de forma desavergonhada por partidos tidos como representantes de setores mais modernos da sociedade brasileira com grupos tidos como representantes do atraso, das velhas oligarquias e tudo mais. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso e o então PFL, de gente como Antônio Carlos Magalhães; o mesmo ocorreu com Lula e o PL e mais grande guarda-chuva que aceitava a trupe de Sarney, Renan e outros.

O que se chama de mensalão nada mais é que o resultado das costuras políticas vistas como normais no cenário brasileiro. O amplo e variado leque que elas representam todavia permite a gente como Joaquim Barbosa tomar como prova da existência do mensalão - no sentido de compra efetiva de consciências - o fato de o PT coligar-se com o PP. Ora, pergunta-se ele, por que partidos tão díspares do ponto de vista ideológico se uniriam não fosse meramente por dinheiro?

Junta-se a tudo isso a cultura antipolítica, a visão de que a política é uma grande bandalheira e os políticos, figuras prontas a se vender na primeira esquina. A grita do mensalão, além de perseguição ao PT e o que representa, é, em última análise, manifestação típica das posições neoudenistas, fortes sobretudo nos estratos médios dos grandes centros urbanos. E seu grau de hipocrisia vai ser posto à prova no dia em que chegar -  se chegar - o julgamento do chamado mensalão mineiro, o mensalão do PSDB de Minas Gerais. Quem sabe durante a corrida eleitoral de 2014!

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