domingo, 6 de abril de 2014

IPEA e Datafolha

Dois temas envolvendo pesquisas e suas divulgações merecem comentário.


O erro do IPEA e o erro nosso

No dia 4 de abril de 2014 o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) corrigiu os resultados de uma pesquisa de grande repercussão no Brasil: À frase "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas", 58% disseram discordar, contra 26% que concordam total ou parcialmente. Em resultado divulgado anteriormente, constou, equivocadamente, que a maioria concordava com a frase, provocando grandes protestos e discussões inclusive em nível internacional.

Vale recordar situação decorrida de texto do escritor Antonio Prata para a Folha de São Paulo. Em crônica de refinada ironia, o autor incorporou um sujeito ultraconservador e reacionário, proferindo opiniões que expressavam um grande radicalismo de direita. Prata relata ter recebido montanhas de mensagens de apoio pela sinceridade e coragem das duras palavras, assim como recebeu diversas outras de decepção ou de contraponto às loucuras que lá emitira.

E por que muita gente não percebeu a ironia no texto de Prata? A resposta simples é porque o seu texto era verossímil. Dado o grau de acirramento dos ânimos em meios mais politizados, ninguém parece achar estranho um discurso raivoso de direita, que não demonstre mais aquela vergonha de defender pontos de vista conservadores, mesmo que com doses de obscurantismo, que aparentemente sentia até pouco tempo atrás. Daí ter passado batido que o texto era um exercício ficcional.

No caso envolvendo o erro do Ipea, é igualmente estranho que todo mundo tenha achado plenamente crível o resultado da pesquisa anunciado anteriormente e que dava mais de 60% dos entrevistados concordando com o fato de que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Como, pergunta-se agora, ninguém percebeu que deveria ter algo errado com aquela história absurda?

Isso só pode ser explicado por nossa tolerância com o machismo e por achar relativamente normal, dentro do grau de conservadorismo que nos encontramos, que haja pessoas que pensem daquela forma. Simples, simples.


O Datafolha e a manchete antijornalística da Folha

Diz a manchete da Folha de São Paulo deste domingo, 6 de abril de 2014: "Pessimismo sobre economia cresce, e Dilma perde seis pontos". Na nova rodada de pesquisas do Datafolha, Dilma Rousseff perdeu seis pontos e, com efeito, 29% acham que a situação econômica do País vai piorar, maior do que os 27% que pensam que ela irá melhorar.

Muito bem. Quem foi mesmo que disse  ser possível contar mentiras dizendo só a verdade?

Há um aspecto esquizofrênico na pesquisa já esmiuçado em outros blogs. O eleitor acha que a situação econômica do País vai piorar, mas, por outro lado, acredita que a sua condição econômica pessoal vai melhorar! E neste último, o resultado é uma lavada: 46% acham que vai melhorar, 39% que vai ficar como está e somente 12% apostam que vai piorar.

A percepção sobre a condição pessoal deveria, em princípio, anular a visão de que as condições econômicas do País como um todo vão piorar, de modo a desautorizar manchete chamando atenção para tal aspecto.

Melhor jornalismo teria praticado a Folha se tivesse destacado em sua manchete o fato de que Dilma perdeu seis pontos, mas que seus adversários mais prováveis e diretos, Aécio e Eduardo Campos, não os capitalizaram. Mais do que isso, a petista ainda ganha com folga no primeiro turno, outro viés de maior interesse jornalístico, aparentemente negligenciado pelo(s) editor(es) de primeira página.

Para piorar as coisas para a oposição e para o jornalismo militante da Folha, o único nome (não candidato) melhor na parada do que Dilma é o do ex-presidente Lula. Manchete destacando isso, então, nem pensar!

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